sexta-feira, setembro 05, 2003

Mundo truculento


Mundo turbulento este em que as nações respondem a um certo esvair da nacionalidade com renovada ferocidade. Mundo truculento este em que as religiões respondem com renovado autismo a um certo individualismo céptico.
O sistema das nações (as tais que se esvaem mas estrebucham com muita força) é, sejamos modernos (ou “pós”), “unimultipolar”. “Uni” pela América (i.e., pelos EUA). “Multipolar” pelos outros (aqueles que ainda contam).
“Unimultipolar” mas também heterogéneo, pelos “novos actores” político-religiosos, “revolucionário-terroristas”. São “as Al-Qaedas” e sucedâneos, movimentos políticos radicais, pan-árabe no caso citado, imprevisíveis, dificilmente controláveis mas potencialmente decisivos no (des)equilíbrio de poder global.
É um mundo de uma superpotência desiludida com alguns dos seus tradicionais aliados (por exemplo, sem confundir, claro está, uma com a outra, a céptica “velha” Europa e a Arábia Saudita – aparentemente conivente com os organizadores dos atentados de 11/09), incapaz de poupar, fantástica a investir, que decidiu criar, no centro do Médio Oriente, um “bastião da liberdade e da democracia”, um “exemplo”, espécie de bactéria benigna que se entranhará (espera-se) pelos vizinhos e que permitirá, já agora, assegurar um controlo mais eficiente sobre a geopolítica global dos hidrocarbonetos (embora a intervenção no Iraque não se possa justificar, na minha perspectiva, apenas por este último factor).
Mas há outros actores. Temos uma Rússia expectante, para a qual a conjuntura até é útil para o apaziguar de questões internas e, tal como os EUA, interessada na contenção da China, esse “Gulliver” sonolento preso ao crescimento económico “neo‑liberalizante”, farol orientador de um regime que se vai perpetuando.
Temos ainda o Japão (confinado à sua situação de potência económica) e a “nossa” princesa Europa, alargada a Leste, mercado gigante, espaço social de estranhas solidariedades e que tanto passa rapidamente de aparentes consensos a divergências embaraçosas, como ressurge destas últimas com uma estranha ausência de ressentimentos, leve, individualista, pós-moderna.