sexta-feira, julho 10, 2009

Eu não sei se vou cumprir o meu programa político

Sazonalmente, em tempo de eleições, os políticos apresentam um programa político; depois, se ganharem as eleições, tentam implementá-lo. Simples. Este processo simples, com as características de um sistema nada complexo (apresentação do programa » eleição » cumprimento do programa » eleição), parece a coisa mais natural do mundo, óbvia, necessária e conveniente. Afinal, é ou não conveniente e sério que um político cumpra o que propôs aquando da sua eleição? Esta questão encerra em si mesma um dilema. O problema está na promessa. Como todas as pessoas, também os políticos, quando prometem, têm um “futuro oficial” na sua cabeça, isto é uma evolução que, de forma mais ou menos estruturada, mais ou menos trabalhada e explícita, antecipam para o contexto da sua decisão, para as forças que não controlam mas que afectam de forma decisiva a qualidade das suas decisões (e, logo, a exequibilidade/qualidade das suas promessas e do seu programa eleitoral). O problema é que esse “futuro oficial” é frequentemente frágil, pouco estruturado, pouco “trabalhado” e aberto à mudança. Mas se não controlam essas forças o que é que “eles” têm a ver com isso? Tudo. Têm tudo a ver com isso. Não é por não querer ver a ascensão da China na economia internacional que os empresários portugueses que apostavam na mão-de-obra barata e em produtos baratos e indiferenciados deixaram de sentir os respectivos efeitos. Não é por não querer conhecer a crise económica em Espanha que as empresas portuguesas que apostaram na integração ibérica deixam de sentir as consequências dessa crise. A competência do gestor/decisor é, também, perceber muito bem as forças que não controla mas que o podem afectar decisivamente. Já não é apenas fazer melhor o que sempre se fez. Não basta fazer cada vez melhor t-shirts brancas. Não se pode perceber a Economia Portuguesa sem se perceber muito bem o que se está a passar nas Economias alemã e espanhola (para não ir mais longe). Não se pode perceber o futuro de Viseu (aliás, nem o passado) sem se perceber os constrangimentos da Economia Portuguesa, a sua matriz assente no imobiliário-construção-turismo-distribuição-banca-Estado e em algum investimento estrangeiro no automóvel e na electrónica, ou a incerteza que rodeia o orçamento comunitário e o Futuro da Política Regional. Há, assim, um dilema enfrentado pelos que prometem com um “futuro oficial” na cabeça: a qualidade das suas decisões depende da evolução do contexto dessas decisões; é, por isso, incerta. Um programa político, regra geral, não incorpora a incerteza. Um “bom” autarca, por definição, “sabe”. Sabe o que é melhor como se soubesse prever o futuro, como se tivesse um dom especial, como se não fosse necessário, nem conveniente, considerar o que é incerto e tem um grande impacto no nosso futuro, como se não fosse necessário estar particularmente atento ao que muda e, se necessário, mudar de rumo e antecipar-se à concorrência. Mas, felizmente, não é possível prever o futuro. Mas é possível antecipá-lo, simular diferentes evoluções possíveis e perceber o que essas evoluções podem significar para a nossa região. É possível, assim, construir uma estratégia para uma região ou uma cidade mais robusta face aos diferentes futuros possíveis e estar atento (e eventualmente aproveitar) os pequenos sinais de mudanças que podem ter fortes impactos no desenvolvimento das regiões no futuro. As pessoas, e os responsáveis políticos em geral, têm um “futuro oficial” na cabeça, um futuro que, implícita ou explicitamente, com maior ou menor auto-consciência, acham que vai acontecer. A questão chave é saber se esse futuro é suficientemente sólido para evitar que se cumpra “alegremente” um programa político, positivo num determinado contexto externo, mas que deixa de fazer sentido se as condições externas, “casmurras”, não se comportarem de acordo com o “futuro oficial”. E elas são, de facto, “casmurras”, mudam muito rapidamente, como fica claro quando se olha para a economia internacional na actualidade e quando se diz que, por exemplo, a economia portuguesa poderá ter um crescimento negativo de 4,5% em 2009.

sexta-feira, maio 01, 2009

N2: mais do que isso não me peçam, deixem-me fumar o meu cigarro e voltar para os matraquilhos, por favor

Esta semana ando a viajar. Esta coluna não é uma coluna dedicada às viagens. E eu não sou um viajante. Mas em viagem há ideias que aparecem. E eu gosto de sair, de aproveitar a oportunidade que tenho de conhecer o que me rodeia. Esta é uma viagem pelo familiar. Por Portugal, percorrendo a Estrada Nacional nº2 que liga, pasme-se, Chaves a Faro, passando por Viseu, claro. O objectivo é sair do dia-a-dia tão carregado de objectivos, tarefas e horários e tentar desaparecer nas conversas com as pessoas que vão aparecendo pela N2. E aparecem muitas pessoas pela N2. E, acima de tudo, muitas histórias. Narrativas de vendedores de uvas chilenas (2 euros a caixa) em pleno Alto Douro Vinhateiro que me confidenciam que em Viseu é que se vende bem. De um senhor, assustado, que olhava freneticamente para a estrada como se o viessem prender (pouco depois, vieram prendê-lo). Do senhor que, de mota, fazia 1200 km pelo Norte de Portugal, com a tenda às costas da mulher e a ideia dos copos ao final da tarde. Da dona de café de estrada que agora serve mais os sargentos do quartel do que os camionistas. Dos amigos que se juntam pela manhã para a conversa na sapataria-loja de desporto de um amigo recente em Santa Comba. De sonhos e memórias de um interior de Portugal envelhecido. De pessoas cheias de força, ainda. De sorrisos espontâneos de pessoas sentadas em muros e paragens de autocarro a ver passar os carros, os outros e as cabeças de gado. Os três quartos de hora de conversa no Torrão também me ficaram na memória. As desventuras dos alentejanos que construíram a Grande Lisboa; que passaram do trabalho no campo a 30 escudos por dia para a construção a 180; que chegavam a casa no sábado à noite e voltavam a partir para Lisboa ao final da tarde de domingo; que têm histórias maravilhosas para contar; e que contam a quem os quiser ouvir. E as meninas de Viseu que vinham todos os anos trabalhar para os campos à volta do Torrão? Quem as trazia era o dono dessa casa, está a ver? (e os olhos brilhavam, mesmo, como se as estivesse a ver - e estava, claro) De vez em quando esta suave decadência do interior de Portugal faz-me lembrar o inevitável Edward Hopper. Eu sei que é um cliché, paciência. Talvez se o Hopper e a Joana Vasconcelos se fundissem e contratassem a A. Silva e Silva para construir um país resultasse em algo parecido. Há quem saiba que a N2 termina no Algarve, basta ir sempre em frente. Há quem não saiba onde está. Há quem pense que a N2 termina em Vila Real e que a seguir vem o Porto, antes de Coimbra. Mais do que isso não me peçam, dizem, deixem-me fumar o meu cigarro e voltar para os matraquilhos, por favor.

sexta-feira, março 06, 2009

Em Crise

Já sabemos. À crise financeira juntou-se a crise económica global, de contornos incertos, relativamente à qual poucos arriscam previsões no que toca ao timing da retoma. Talvez 2010, talvez 2012. Crescimentos negativos são possíveis, expectáveis, na Europa. Desacelerações fortes nos Emergentes, incluindo um forte travão da “locomotiva chinesa”, hoje actor central da geoeconomia internacional (até porque tem um papel fundamental na aquisição da famosa dívida pública americana).
À crise económica junta-se a irmã, a crise social. Aumento do desemprego, do subemprego, apertos orçamentais para as famílias, dificuldades de sobrevivência e limitações às ambições individuais. E em contexto de crise social é expectável o surgimento de crises políticas, governos fragilizados, ascensão de populismos. Poderá começar na Europa de Leste mas não deverá ficar por aí.
E crises políticas, já se sabe, fragilizam o Estado, a sua credibilidade já afectada em contexto de sobreendividamento e maiores dificuldades de acesso ao crédito nos mercados internacionais, contribuindo para prolongar a crise financeira. Esta traz consigo a crise económica e a irmã, a crise social, antecessora da crise política.

sexta-feira, janeiro 09, 2009

Só uma vez uma ‘paceña’ (também nome de cerveja) ganhou o concurso de Miss Bolívia

A 20 de Novembro fui passear. Para longe. América do Sul. Peru e Bolívia.
Não é difícil. É preciso trabalhar, muito, antes, para poder partir. Também é preciso poder pagar a viagem. Mas não é caro. Não mais que umas férias de Verão no Algarve, com certeza. Mas, mais do que tudo, é preciso gostar de partir. É preciso saber que aquilo de que gostamos no nosso pequeno rectângulo ganha mais significado em perspectiva, visto de fora.
Estava muito curioso em relação à Bolívia, país encravado nos Andes, de revoluções constantes e de produtores de folha de coca. Foi deslumbrante. Os Andes são magníficos. Gostei do Peru. Amazónia, Machu Pichu e os Incas. A cosmopolita Lima, o cebiche e os “pisco sours” do velho hotel Bolivar na Praça San Martin. A magia de Cuzco. Mas adorei a Bolívia. Dura e agreste. Paraíso perdido, sempre com o céu por perto. Estranhamente perto de nós.
Descobri que os mapas na Bolívia não têm fronteiras porque, numa guerra com o Chile, a Bolívia perdeu o acesso ao mar que “completaria” o país – até nisso parece existir alguma poesia neste pedaço de mundo. E que as mulheres do Altiplano nunca (ou quase nunca) ganham concursos de beleza porque têm os pulmões maiores para respirarem melhor em altitude. Ganham sempre as de Cochabamba, Santa Cruz ou Sucre. E que Evo Morales promete “evo-lution”. E que El Alto é a capital mundial de wrestling feminino (http://www.cholitaswrestling.com/). E que professores cubanos andam de casa em casa a ensinar as pessoas a assinar o seu nome nas aldeias perdidas dos Andes. E que não há nenhuma estátua de bolivianos na avenida principal de La Paz. E que as pessoas não pintam as casas para não pagarem tantos impostos. E que é possível oferecer os Campos Elísios por amor (foi exactamente o que o espanhol Francisco Argandoña ofereceu à sua amada e mimada esposa Clotilde). Hoje, os Campos Elísios de Clotilde são um parque central em Sucre. E que Potosi já foi o centro do mundo, talvez maior que Londres e Paris (dizem eles, pelo menos), fonte da riqueza (e da inflação) espanhola e europeia devido a Cerro Rico, a montanha feita de prata que domina a cidade.
E, no entanto, a Bolívia é instável e pobre, oscilando entre a “maldição dos recursos” (sejam eles prata, ouro, gás natural, petróleo, silício, ou outros), nacionalismos fortes e tensões étnicas acentuadas, numa sociedade multi‑estratificada em que a maioria da população luta, todos os dias, pela sobrevivência.
E também é claro que o mundo ocidental é privilegiado. Podem ser privilégios frágeis, mas são claros. Podemos viajar, podemos ir, ver e voltar. Temos estabilidade política e Estados (relativamente) equilibrados e cooperantes. Democracias, impulsionadas por uma larga classe média relativamente informada e exigente, (ainda) capazes de absorver choque e de criar alternativas e transições tranquilas.