sexta-feira, junho 02, 2006

Portugal: Crescer com o Mundo e aproveitar a mudança




A diminuição de barreiras ao comércio e à circulação de capitais e a entrada de rompante de economias enormes como a China e a Índia na competição global nos mercados de bens e serviços torna ainda mais decisiva a capacidade de economias como a portuguesa de “crescerem com o mundo”, isto é, de se sintonizarem com os sectores mais dinâmicos da economia internacional.
O problema é que não só a nossa estrutura empresarial é caracterizada por sectores em perda na competitividade global, como elementos centrais para a transformação dessa realidade (como os sistemas de ensino e científico-tecnológico) têm demonstrado uma grande rigidez e resistência à mudança. Assim, apesar dos índices apontarem para uma crescente qualificação dos recursos humanos, da existência de uma alargada rede de infra‑estruturas (estradas e não só) e de pólos de I&D e de criação artística de excelência, a missão de Portugal num mundo em transformação acelerada afigura-se bastante complexa.
E os “pesos pesados” aí estão (com uma crescente abertura da UE à Ásia). E a UE está diferente, com novos Estados-Membros que competem directamente com Portugal em múltiplas fileiras, muitos deles com melhores condições ao nível da fiscalidade, da qualificação e da localização, dificultando a posição de economias como a portuguesa no que toca à sua atractividade relativa. Daí a necessidade redobrada de atenção ao que aí vem, de definição selectiva de uma estratégia e de percepção dos possíveis lugares de Portugal e da sua economia em actividades em ascensão ligadas, por exemplo, à mobilidade sustentável, à saúde, às TIC e ao entretenimento/lazer.
É a mudança que nos afecta e nos atinge. Mas também é dessa mudança e da sua exploração que surgem as oportunidades.
Para explorar a mudança é essencial, antes de mais, ter consciência da sua natureza e da relação do actor, por exemplo Portugal, com ela. Aqui surge a distinção entre mudanças no contexto que o actor não influencia (“coisas que nos acontecem”) e mudanças “criadas” pelo actor. E se o primeiro tipo de mudança apela à nossa atenção e define limites, fornecendo lógicas de comportamento e “regras do jogo”, o segundo tipo apela à capacidade de Portugal “criar o seu próprio futuro”, optimizar a sua capacidade e o seu posicionamento internacional. Trata-se de somar a acção (segundo tipo de mudança) à atenção/monitorização/contingência (primeiro tipo) e, sobretudo, ter consciência da capacidade de influência que existe (segundo tipo) mas que está contida em limites que convém conhecer/aproveitar (primeiro tipo).
Por outro lado, é igualmente fundamental perceber a distinção entre mudanças contínuas, graduais, durante períodos longos, as quais não põem em causa as estruturas sócio‑económicas vigentes; e mudanças disruptivas, súbitas, que põem em causa as estruturas contemporâneas. Este último tipo de mudança, normalmente menos acompanhado, é particularmente importante. O Prof. Peter Bishop, numa conferência recente sobre Futures/Foresight em Munique avançava com o exemplo da velocidade de deslocação humana: o surgimento da bicicleta é claramente uma mudança disruptiva face à deslocação a pé; e um carro é bastante mais rápido que a bicicleta; e nenhum carro, por mais rápido que seja, tem o potencial de velocidade do avião.
O problema é que toda a mudança cria problemas e põe em causa estruturas que funcionam. A deslocação a pé funcionava bem antes do surgimento da bicicleta. A bicicleta era óptima antes do surgimento do automóvel. E o automóvel permitia grandes e rápidas deslocações até ser comparado com o avião.
E são precisamente estas estruturas que estão a funcionar bem aquando do surgimento da mudança disruptiva que é preciso abandonar para inovar e para aproveitar essa mudança. Como se intui, este processo é bastante difícil. Se, por vezes, é difícil descartar algo que comprovadamente não funciona, imagine-se o que é ter que abandonar algo que reconhecidamente funciona. Mas é precisamente neste repensar permanente dos seus métodos e práticas e na capacidade de abandonar modelos organizativos, opções e processos que funcionam que reside a vantagem competitiva de muitas organizações de sucesso, sejam elas empresas, regiões ou países.