sexta-feira, outubro 03, 2003

O que faremos de diferente no futuro imediato?


Com o “acelerar da história”, no que tal ideia comporta de desenvolvimento científico‑tecnológico e societal (nas suas vertentes incremental e fracturante), é cada vez mais importante, na minha perspectiva, não só as empresas mas também os indivíduos e os Estados reflectirem de forma sistémica sobre o futuro e a forma como se poderão preparar melhor para o que pode acontecer, para o “espaço dos possíveis”. De facto, parece-me demasiado simples (e perigoso) pensar-se que, dada a complexidade crescente dos eventos, de pouco vale uma reflexão prévia sobre os mesmos.
Penso, pelo contrário, que o complexo não deixou de ser apreensível (é neste nicho e com este objectivo – a apreensão de um presente complexo projectando-o em múltiplas imagens de futuro – que aparece a Prospectiva) nas suas grandes linhas, “tendências pesadas” e “forças motrizes” que delinearão a vida de cada um de nós, a posição regional da cidade X, o enquadramento geopolítico do país Y e/ou a evolução dos resultados da empresa Z.
A ideia central passa por uma tentativa de evitar a surpresa (a nossa, não necessariamente a dos outros). Evitar sermos surpreendidos por uma mudança de paradigma energético, por exemplo (ver http://www.shell.com/scenarios/).
Mas não se trata, de todo, de um exercício acrítico. Muito pelo contrário. Exige, antes de tudo, acção. De facto, a verdadeira questão (e a mais difícil de responder, primeiro, e de implementar a resposta, depois) assemelha-se a: se pensarmos que o cenário A constitui uma projecção provável/possível para o contexto em que nos inserimos (“nós” equivale a empresa/pessoa/cidade/país/…), o que faremos de diferente no futuro imediato?

sexta-feira, setembro 05, 2003

Mundo truculento


Mundo turbulento este em que as nações respondem a um certo esvair da nacionalidade com renovada ferocidade. Mundo truculento este em que as religiões respondem com renovado autismo a um certo individualismo céptico.
O sistema das nações (as tais que se esvaem mas estrebucham com muita força) é, sejamos modernos (ou “pós”), “unimultipolar”. “Uni” pela América (i.e., pelos EUA). “Multipolar” pelos outros (aqueles que ainda contam).
“Unimultipolar” mas também heterogéneo, pelos “novos actores” político-religiosos, “revolucionário-terroristas”. São “as Al-Qaedas” e sucedâneos, movimentos políticos radicais, pan-árabe no caso citado, imprevisíveis, dificilmente controláveis mas potencialmente decisivos no (des)equilíbrio de poder global.
É um mundo de uma superpotência desiludida com alguns dos seus tradicionais aliados (por exemplo, sem confundir, claro está, uma com a outra, a céptica “velha” Europa e a Arábia Saudita – aparentemente conivente com os organizadores dos atentados de 11/09), incapaz de poupar, fantástica a investir, que decidiu criar, no centro do Médio Oriente, um “bastião da liberdade e da democracia”, um “exemplo”, espécie de bactéria benigna que se entranhará (espera-se) pelos vizinhos e que permitirá, já agora, assegurar um controlo mais eficiente sobre a geopolítica global dos hidrocarbonetos (embora a intervenção no Iraque não se possa justificar, na minha perspectiva, apenas por este último factor).
Mas há outros actores. Temos uma Rússia expectante, para a qual a conjuntura até é útil para o apaziguar de questões internas e, tal como os EUA, interessada na contenção da China, esse “Gulliver” sonolento preso ao crescimento económico “neo‑liberalizante”, farol orientador de um regime que se vai perpetuando.
Temos ainda o Japão (confinado à sua situação de potência económica) e a “nossa” princesa Europa, alargada a Leste, mercado gigante, espaço social de estranhas solidariedades e que tanto passa rapidamente de aparentes consensos a divergências embaraçosas, como ressurge destas últimas com uma estranha ausência de ressentimentos, leve, individualista, pós-moderna.

sexta-feira, junho 06, 2003

Resta-nos engordar e dar conselhos?


Europa é uma princesa, já sabemos. Seduzida por Zeus sob a forma de touro, os seus filhos fundaram cidades e construíram civilizações.
Mas essa história, como já disse, é conhecida. Constitui um símbolo, um mito. A questão que se coloca hoje é se a outra Europa não tenderá também a constituir-se, quase exclusivamente, como uma realidade simbólica, quase um mito.
No Olimpo ou em Bruxelas (pouco importa), deuses ociosos ou deputados, a Europa (CECA, CE, CEE, UE) cresce exponencialmente, engorda, multiplica-se e discute, insurge-se, diverge.
As palavras são refúgios de ambição. Há uma Política que é Externa e de Segurança (e, ainda por cima, Comum) mas a divergência é enorme e clara para todos. Há um dever de solidariedade mas ainda não ouvi, no final de um Conselho Europeu, o Primeiro-Ministro ou o Presidente da República do País X congratular-se com as vitórias por ele alcançadas, em negociação, para a Europa.
Ainda bem que há economia. Que há dinheiro, mercadorias, mercados e fundos. Que há o euro. Ainda bem que já houve carvão e aço para pôr em comum. E pautas aduaneiras para harmonizar. Ainda bem.
Sem integração económica o que é a Europa?
Um (re)encontro de vizinhos (já não é pouco, é verdade – mas foi realizado através dos mercados), um imenso Parlamento multi-cultural, multi-linguístico e “multi‑indefinido” na sua acção. Uma Comissão alargada, pesada, descrente. Um Conselho de luta (não para fora, para dentro), longas sessões nocturnas, palavras ambíguas e consensos inoperacionais.
Que diabo vamos fazer juntos além de comprar e vender? Será que temos que fazer mais alguma coisa? Resta-nos engordar e dar conselhos...

sexta-feira, maio 02, 2003

Antes do “25 de Abril”: guerra e Europa


Quando atravessamos uma quadra de celebração do dia da revolução e das liberdades, optei por olhar, sob o ponto de vista da Estratégia, um pouco mais para trás, para o período da nossa História que ficou conhecido por “marcellismo”.
Celebrizados na célebre fórmula da “evolução na continuidade”, os objectivos políticos personalizados por Marcello Caetano (MC) podem, na minha perspectiva, ser englobados em três grandes categorias: renovação, sem sobressaltos, do regime político; manutenção do esforço de guerra no Ultramar e do Portugal multi‑continental (objectivo prioritário e ao qual todos os outros estavam subordinados); abertura e modernização da economia (visando o crescimento económico) com clara aposta na integração europeia e no acelerar da aproximação às Comunidades Europeias.
Estes objectivos, claramente ambiciosos, pressupunham uma Estratégia híbrida, composta de equilíbrios difíceis entre uma diplomacia simultaneamente virada para a defesa do Portugal pluri-continental e de uma participação activa nos movimentos de integração/coordenação europeia (entendida como indispensável para o desenvolvimento económico – este último, por sua vez, necessário para a manutenção do esforço de guerra e inseparável da manutenção dos níveis de “acomodação” da população ao regime e às respectivas escolhas); uma acção administrativa tradicionalmente centralizadora (“Terreiro do Paço”) mas com a percepção da necessidade de uma descentralização tendencialmente “federalista” para as províncias ultramarinas; uma acção policial repressora (mas suavizada nos primeiros tempos) na sua tarefa de manutenção do regime; e uma economia tradicionalmente assente no corporativismo proteccionista mas relativamente à qual os dirigentes políticos viam como inevitável (e indispensável) o acelerar do processo de abertura ao comércio e ao investimento estrangeiro.
Relativamente ao problema principal, os conflitos militares em curso, MC não foi capaz, entre outras coisas, de gerir a difícil situação internacional que se lhe apresentou quando tomou posse como Presidente do Conselho. A tese portuguesa (“Portugal era um Estado pluricontinental e pluriracial, modelado por alguns séculos de evolução histórica”) foi sendo sucessivamente criticada por políticos e opinião pública internacionais, os quais, regra geral, concebiam como verdadeiras colónias aquilo a que o Governo português chamava províncias ultramarinas. A “rigidez” do objectivo político, claramente imobilizadora e desgastante (dada a conjuntura externa e interna), terá contribuído decisivamente para a queda do regime. Isto, em consequência não só do isolamento internacional de Portugal mas também da absorção de recursos que a complexidade da guerra no Ultramar exigia e dos protestos (especialmente por parte dos jovens) que a mesma provocava.

No entanto, quanto ao objectivo de aceleração da aproximação à Europa, parece‑me que, apesar de todos os condicionalismos, a estratégia, consubstanciada no Acordo de Comércio Livre assinado em 1972, foi, se a encararmos friamente e de forma independente das múltiplas fraquezas de Portugal no período, bem sucedida. De facto, com MC, parece ter sido colocada bem longe a “velha” máxima de Salazar “face ao mar, costas à terra”, iniciando-se a respectiva substituição pela ideia expressa pelo próprio MC de que “Portugal é Europa”.

sexta-feira, abril 04, 2003

Não sei, não entendo


É com alguma inquietação que tenho assistido ao “espectáculo da guerra”, espécie de big brother global, expressão final de um reality show completo: temos os bons e os maus, os fortes e os fracos, a tristeza, a ambição, a alegria, a sedução. Temos a morte, as crianças, o petróleo, a religião. As causas e os fanatismos (conforme as perspectivas).

Desde o início da guerra, já lá vão mais de duas semanas, parece que, de repente, o país se tornou mais pequeno. Os nossos medos quotidianos tornaram-se (ainda) mais insignificantes. As questiúnculas da política nacional foram-se diluindo. Restaram aquelas cujo foco é a guerra, formas colectivas de expressão que acabam por disfarçar a relativa insignificância internacional do país.

“A salvação é individual; se não nos afirmamos como país, afirmemo-nos como indivíduos”, dirão alguns. Resultam daí manifestações, boicotes eventuais, debates intermináveis, juras de fidelidade e promessas de luto. Resultam daí reflexões avisadas e conjecturas diversas.
Não conseguem, contudo, disfarçar o essencial. O mundo ultrapassou-nos. Está longe. A nova ordem é difusa, pois contém a desordem. A complexidade escancara‑nos as dúvidas e o “nosso mundo”, o nosso dia-a-dia feito de preto e branco, bem e mal, trabalho e lazer, salário e renda, on e off, belo e feio, já não a consegue enquadrar.

É desta forma que tenho assistido ao “espectáculo da guerra”. É como se as pessoas, e em particular estes dez milhões aconchegados no extremo ocidental da Europa, no meio das suas certezas aparentes, dissessem em surdina: “não sei; não entendo; começo a ficar cansado(a); muda de canal”.

sexta-feira, fevereiro 21, 2003

A Favor ou Contra?


É uma evidência que a aferição do poder dos actores estratégicos internacionais não pode ser realizada sem ter em conta, em cada caso concreto, o atrito do meio (de natureza moral e/ou material) que “actua” sobre os potenciais mássico (quantidade de efectivos militares, por exemplo) e dinâmico (forças morais ou intangíveis). A natureza moral desse “atrito” é, na minha perspectiva, particularmente relevante para a situação internacional que se vive presentemente em relação ao Iraque, bastando olhar para a argumentação das partes para tomar consciência dessa importância.
De facto, argumentos como a protecção dos direitos humanos, a democracia, o respeito pela “legitimidade internacional”, etc., são utilizados amiúde com o claro objectivo de “conquistar”, através de uma certa ideia de “moralidade internacional”, a opinião pública global (e, necessariamente, nacional). As múltiplas iniciativas, a nível mundial, da chamada “sociedade civil”, regra geral contrárias à intervenção dos EUA no Iraque se realizada sem o aval da Organização das Nações Unidas (ONU), são componentes (inconscientes ou não) da referida competição. Intimamente ligada à questão do poder mediático, parece-me ser com esta contextualização que melhor se perceberá a perseverança dos EUA em alcançar um aval do Conselho de Segurança da ONU no que concerne a uma intervenção militar no Iraque.
Nesta linha de raciocínio, o poder mediático surge, na actualidade (pelo menos no que comporta de “necessidade de aparência”), ligado “em rede” à defesa de alguns “valores” tidos como fundamentais e reflectidos numa aproximação a um código de conduta nas relações internacionais (ou, pelo menos, na componente “mais exposta” dessas relações). É assim (e apenas assim) que se poderá entender o “show-off da apresentação de provas”, em directo para todo o mundo, a partir da sede da ONU, por Collin Powell e o constante jogo de palavras (a nível global, nacional e local) entre partidários ou oposicionistas a uma nova intervenção militar liderada pelos EUA no Iraque. É esta dialéctica simplista que tudo “consome” que urge, apesar das dificuldades, evitar, analisando com tanto afastamento quanto possível as forças em jogo no conturbado palco das relações internacionais contemporâneas. Não deixa de ser curioso notar, contudo, que esta percepção da dificuldade de discernimento no seio de uma miríade de informações muitas vezes contraditórias e inconsequentes, constitui claro sintoma do peso do referido “poder mediático”, assente em algo que eu me atreveria a classificar como “ânsia consumista de guerra” (no seu advento, execução e rescaldo), poder a corporizar (pelas partes desavindas) em reacções de apoio ou rejeição de princípio, bases de sustentação primária amplamente consolidadas, quer uma quer outra, por um dilúvio de argumentos disponíveis, perdoem-me a liberdade discursiva, no “mercado informacional”. Nesta óptica, é de salientar associação da ONU a uma certa ideia de “legitimidade internacional” (subtil mas poderosa em termos mediáticos). Daqui decorre, como já foi referido, o grande esforço (optimizado pela ameaça do unilateralismo) que os EUA têm realizado para tentar obter uma mais clara resolução do Conselho de Segurança da ONU (que lhes permita alcançar, entre outros dividendos, uma maior liberdade de acção) relativa à necessidade de travar o Iraque e aos meios passíveis de serem utilizados para tal.
Por tudo isto (e não só) tenho tendência a responder à pergunta inicial com outras interrogações: a favor ou contra o quê? Importa-se de me explicar?

sexta-feira, fevereiro 07, 2003

E depois?

Perdoem-me a heresia aparentemente belicista (não o sendo de facto), mas talvez por “desvio” profissional resolvi utilizar esta coluna para partilhar algumas reflexões e dúvidas (eventualmente mais dúvidas que reflexões) sobre a geopolítica e os equilíbrios geoestratégicos subsequentes a possíveis desfechos de uma 2ª Guerra do Golfo. Fugindo um pouco à actualidade, tentarei evitar as polémicas (sempre importantes, claro) sobre legitimidade ou ausência dela, intenções ou provas, direito internacional ou real politik, democracia ou petróleo, Organização das Nações Unidas ou George Bush, Blair ou Shroeder, eixos (franco-alemão) que “unem” ou cartas (de vários Chefes de Estado e de Governo europeus) acusadas de dividir (o que nunca esteve unido, aliás – a não ser que a opção fosse, como o é frequentemente, pela obtenção de um consenso via ambiguidade), etc.. Assim, começando hoje longe da Europa (da “nova” e da “velha”), situo-me para já na Ásia e no Médio Oriente.
Uma das subtis evoluções poderá ocorrer bem longe daqui, na Ásia de Leste. Aí, a posição do Japão face a um possível ataque liderado pelos EUA poderá acelerar a re-orientação do foco estratégico dos norte-americanos nesta zona do mundo, com a assunção pela renovada China, lentamente convertida ao capitalismo, de um papel de maior convergência com os interesses dos EUA na região (em detrimento do Japão que, por exemplo, também não se envolveu na coligação que acompanhou os EUA aquando da Guerra do Golfo “original”).
No Médio Oriente, por outro lado, será interessante observar o posicionamento da dinastia hachemita no poder na Jordânia. De facto, se na 1ª Guerra do Golfo se manteve afastada (até porque o objectivo dos EUA não era derrubar o regime de Saddam Hussein, pelo que um apoio jordano à resposta aliada significaria a criação de uma difícil inimizade com Bagdade), parece provável um maior envolvimento da Jordânia, ao lado dos norte-americanos, numa eventual 2ª Guerra do Golfo (participando no fornecimento de energia e, através de forças especiais, apoiando no terreno as acções militares dos EUA).
De facto, hoje, a situação é bem diferente daquela que se viveu há pouco mais de uma década. O prémio passou a ser nada mais nada menos que a “cabeça de Saddam”, pelo que a diplomacia jordana terá tendência a, desde já, preparar o caminho para uma “boa solução” (na óptica da Jordânia) relativamente ao futuro do Iraque. Essa “boa solução” poder‑se‑á mesmo transformar em “óptima” se, como alguns advogam, o modelo do pós-guerra tomar a Jordânia (crescentemente próxima dos EUA - e mesmo de Israel) como exemplo, ou mesmo como elemento central da resolução do “problema”. Essa possível (embora altamente complexa) “resolução” passaria eventualmente, nesta óptica, pelo restabelecimento de uma monarquia (hachemita) no Iraque, podendo a actual Jordânia “ceder espaço” para a criação do Estado palestiniano (aliviando a tensão com Israel). Voltarei, num próximo artigo, a este exercício especulativo sobre possíveis reequilíbrios geoestratégicos desta guerra eventual (que já vai bem longa...).

sexta-feira, janeiro 10, 2003

Livros: escolhas de 2002

"Marcello Caetano - As Desventuras da Razão", de Vasco Pulido Valente (Gótica), porque não o conhecemos (e devíamos conhecer);

"Crime e Castigo", de Fiodor Dostoievski (Editorial Presença), porque temos que conhecer (e, desta vez, foi traduzido do original);

"O Mundo de Mafalda - As tiras, os inéditos, os testemunhos", de Joaquín Salvador Lavado (Quino) (Bertrand), porque também ela não conhece mas é muito, muito curiosa (e inclui todas as tiras e o enquadramento das diversas fases da personagem).

"Os Passos em Volta", de Herberto Helder (Assírio & Alvim), pela intermitência compulsiva, fazendo-me recordar uma certa viagem de comboio (e foi, mais uma vez, reeditado);

"Manual Prático do Professor de Catecismo Espírita", de Eliseu Rigonatti (Pensamento), porque constitui exemplo empírico das diferentes velocidades a que corremos (e é divertido);

"Rua de Portugal", de Gastão Cruz (Assírio & Alvim), porque "É igual o retrato/Qual deles a metáfora?");

Turquia: uma democracia-islâmica na União Europeia

Situem-se, hipoteticamente, no início da segunda década do século XXI.
Dada a estrutura demográfica que apresentava no início da década, a Turquia é hoje o Estado mais populoso da União Europeia (UE) (e um dos mais influentes), juntando a isso a mais elevada taxa de crescimento de entre os seus parceiros de integração. O mais recente processo de alargamento da UE, iniciado em 2004 e facilitado pela obtenção de um acordo em torno da questão de Chipre (para o qual contribuiu grandemente a flexibilização da posição da Turquia), recebeu uma direcção inesperada para muitos, tendo sido decidido pelos Chefes de Estado e de Governo da UE facilitar (e acelerar) a entrada da Turquia a breve trecho. Esta opção, paralela ao reforço da ajuda financeira e ao reconhecimento explícito do respectivo papel‑chave nas redes de abastecimento energético da Europa (que teve como aspecto mais visível o apoio incondicional dos europeus à construção dos pipelines que, atravessando o território turco, passaram a ligar a bacia energética do Cáspio ao Mediterrâneo Oriental - permitindo à Turquia partilhar com a Rússia o “controlo estratégico” sobre o transporte destes recursos), constituiu-se não só como forma de reconhecimento da acção turca no que toca à questão de Chipre e à possibilidade de utilização de meios da Aliança Atlântica pela UE mas também, sob pressão dos EUA, como meio de premiar e apoiar o comportamento da Turquia durante a segunda Guerra do Golfo e de facilitar e promover a sua evolução democrática e secular.
Por outro lado, a adesão da Turquia à UE contribuiu para estabilizar os Balcãs (onde se registou uma evolução favorável, com uma surpreendente aproximação entre albaneses, sérvios e macedónios, “patrocinada” pelos EUA, pela Turquia e pela Rússia) e permitiu um reforço da capacidade de actuação europeia no Mar Negro, no Cáucaso e no Médio Oriente. Adicionalmente, tornou imperativo um reforço das políticas europeias na área da Justiça e Assuntos Internos (sendo que, uma das medidas tomadas foi a criação de uma polícia comum de fronteiras que garantia, a uns, o efectivo controlo da alargada fronteira externa da União – a qual já chegava a países como a Ucrânia, a Rússia, o Irão e a Síria – e, a outros, a partilha dos elevados custos desse mesmo controlo), fornecendo igualmente novas oportunidades de combate ao tráfico organizado de droga (nomeadamente o que utilizava os Balcãs) e de cooperação com os EUA no que toca à questão do terrorismo.