sexta-feira, fevereiro 07, 2003

E depois?

Perdoem-me a heresia aparentemente belicista (não o sendo de facto), mas talvez por “desvio” profissional resolvi utilizar esta coluna para partilhar algumas reflexões e dúvidas (eventualmente mais dúvidas que reflexões) sobre a geopolítica e os equilíbrios geoestratégicos subsequentes a possíveis desfechos de uma 2ª Guerra do Golfo. Fugindo um pouco à actualidade, tentarei evitar as polémicas (sempre importantes, claro) sobre legitimidade ou ausência dela, intenções ou provas, direito internacional ou real politik, democracia ou petróleo, Organização das Nações Unidas ou George Bush, Blair ou Shroeder, eixos (franco-alemão) que “unem” ou cartas (de vários Chefes de Estado e de Governo europeus) acusadas de dividir (o que nunca esteve unido, aliás – a não ser que a opção fosse, como o é frequentemente, pela obtenção de um consenso via ambiguidade), etc.. Assim, começando hoje longe da Europa (da “nova” e da “velha”), situo-me para já na Ásia e no Médio Oriente.
Uma das subtis evoluções poderá ocorrer bem longe daqui, na Ásia de Leste. Aí, a posição do Japão face a um possível ataque liderado pelos EUA poderá acelerar a re-orientação do foco estratégico dos norte-americanos nesta zona do mundo, com a assunção pela renovada China, lentamente convertida ao capitalismo, de um papel de maior convergência com os interesses dos EUA na região (em detrimento do Japão que, por exemplo, também não se envolveu na coligação que acompanhou os EUA aquando da Guerra do Golfo “original”).
No Médio Oriente, por outro lado, será interessante observar o posicionamento da dinastia hachemita no poder na Jordânia. De facto, se na 1ª Guerra do Golfo se manteve afastada (até porque o objectivo dos EUA não era derrubar o regime de Saddam Hussein, pelo que um apoio jordano à resposta aliada significaria a criação de uma difícil inimizade com Bagdade), parece provável um maior envolvimento da Jordânia, ao lado dos norte-americanos, numa eventual 2ª Guerra do Golfo (participando no fornecimento de energia e, através de forças especiais, apoiando no terreno as acções militares dos EUA).
De facto, hoje, a situação é bem diferente daquela que se viveu há pouco mais de uma década. O prémio passou a ser nada mais nada menos que a “cabeça de Saddam”, pelo que a diplomacia jordana terá tendência a, desde já, preparar o caminho para uma “boa solução” (na óptica da Jordânia) relativamente ao futuro do Iraque. Essa “boa solução” poder‑se‑á mesmo transformar em “óptima” se, como alguns advogam, o modelo do pós-guerra tomar a Jordânia (crescentemente próxima dos EUA - e mesmo de Israel) como exemplo, ou mesmo como elemento central da resolução do “problema”. Essa possível (embora altamente complexa) “resolução” passaria eventualmente, nesta óptica, pelo restabelecimento de uma monarquia (hachemita) no Iraque, podendo a actual Jordânia “ceder espaço” para a criação do Estado palestiniano (aliviando a tensão com Israel). Voltarei, num próximo artigo, a este exercício especulativo sobre possíveis reequilíbrios geoestratégicos desta guerra eventual (que já vai bem longa...).

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