sexta-feira, novembro 07, 2008

5 ideias sobre as ideias


1- Por estranho que pareça, em muitas organizações (públicas e privadas), à medida que um(a) profissional assume maiores responsabilidades (sobe na hierarquia), fica cada vez mais envolvido em actividades de carácter eminentemente operacional, burocrático, sobrando-lhe cada vez menos tempo para a reflexão e para actividades de índole estratégica.

2- A inovação não se “decreta”. Nunca há garantias de que se vai conseguir ser inovador (nos produtos, nos serviços, nos processos). É possível, no entanto, criar as melhores condições e usar os melhores processos, aumentando o potencial de inovação das organizações.

3- Não há inovação sem criatividade. Não se inova aplicando, apenas, o pensamento crítico. E não é fácil (e muitas vezes não é adequado) tentar ser criativo e crítico ao mesmo tempo. Isto é, ter uma ideia nova que, ao mesmo tempo, é exequível/rentável/etc.. É por isso que é essencial, em processos de inovação, prever momentos para a criatividade (afastando a crítica) e, depois (e não durante), ter momentos para a crítica.

4- A inovação é, frequentemente, um downgrading da “loucura”, do “impossível”, de ideias que não funcionam. Se não pensarmos antes o “impensável”, na expressão de Herman Khan (o homem dos Cenários a longo prazo na RAND Corporation que “pensava” a guerra nuclear), o “impossível”, temos diminutas hipóteses de ser inovadores.

5- Há culturas/sociedades/regiões/cidades claramente mais abertas à criatividade, à diferença, ao excêntrico (“que se desvia do centro”). Nós (cidade de Viseu, região Centro, Portugal) não somos (por enquanto?) uma delas.

sexta-feira, setembro 12, 2008

12 desafios que marcam o futuro da Europa


Em Setembro de 2007 a Comissão Europeia lançou um debate a médio/longo prazo (pós-2013), alargado e “sem tabus” sobre o futuro do orçamento da União Europeia no quadro de uma reflexão sobre as políticas europeias e o papel da UE no mundo.

Apesar de ofuscado por questões institucionais (“não” holandês ao Tratado de Lisboa), económicas (fraco crescimento económico, crise financeira, inflação, etc) e geopolíticas (relações com a Rússia, Médio Oriente, Kosovo, China e o Tibete, etc.), este debate fornece informações privilegiadas relativamente aos “modelos mentais” dos actores e aos interesses em jogo quando se fala do futuro da UE.


De facto, olhando com atenção para os posicionamentos de alguns dos principais actores no debate é possível isolar as narrativas utilizadas relativamente às tendências externas e desafios que sustentam as respectivas tomadas de posição. Assim, é possível identificar 12 grandes desafios que emergem de uma leitura global dos posicionamentos dos actores (governos, partidos, especialistas, etc.), constituindo uma parte significativa da forma como os europeus olham para o mundo e “exigindo” acção por parte da UE:


1- A Globalização/Mundialização, entendida como o processo de integração global, permeabilidade de fronteiras, liberalização e interdependência.
2- As Alterações Climáticas e a Sustentabilidade, entendidas como o conjunto de desafios ligados ao aquecimento global, à poluição, à desflorestação, ao aumento da ocorrência de catástrofes naturais, etc..
3- A Energia, nas suas vertentes de sustentabilidade e segurança energéticas.
4- A Segurança, interna e externa.
5- As Migrações, nas suas diversas facetas.
6- As Alterações Demográficas, ligadas, entre outros factores, ao envelhecimento das sociedades europeias.
7- As Tecnologias de Informação e Comunicação, no que comportam de oportunidades de desenvolvimento e de melhoria dos níveis de vida mas também de riscos (exclusão, segurança, privacidade, etc.).
8- O Papel da UE no Mundo, sempre oscilante entre a lenta construção de um lugar específico para a UE nas relações internacionais e a existência de interesses (e ambições) distintos no seio da UE.
9- A Emergência de novas Economias, com China e Índia marcando uma nova realidade geo-económica internacional (secundados por Rússia, Brasil e outros).
10- Os Recursos Naturais, cada vez mais procurados, mais escassos (em muitos casos) e mais caros.
11- A Pobreza e a Exclusão Social, com os desafios que trazem não só no seio da UE mas também na sua responsabilidade como actor global.
12- Os Alargamentos da UE, até onde e como?

Sendo útil para perceber os rumos que a UE (e a sua despesa) podem tomar, a análise da forma como alguns dos principais actores da construção constroem as suas narrativas sobre o futuro permite-nos perceber melhor (e antecipar) as suas acções. Como dizia uma colega referindo-se à importância das nossas expectativas relativamente ao futuro (exagerando para efeitos de clareza): “não me interessa se as tuas ideias sobre o futuro são certas ou erradas; interessa-me sobretudo saber que as tens e que elas vão condicionar o teu comportamento”.

(post baseado em trabalho de investigação elaborado em colaboração com Nuno Alves e disponível em http://www.dpp.pt/pages/files/Futuro_Orcamento_UE.pdf.)

sexta-feira, julho 04, 2008

O Grande Jogo dos Talentos


Toda a gente fala da qualificação das pessoas, da aposta na formação, na formação ao longo da vida, etc. São palavras gastas e quase já custa ouvi-las quando proferidas, vezes sem conta, por políticos e outros responsáveis.
Mas porque é que a qualificação das pessoas é, afinal, importante para Portugal? Ou melhor, porque é que é cada vez mais importante?
A globalização não é só a competição global pelos capitais. É também a competição global pelas qualificações, o “Grande Jogo dos Talentos”.
A ascensão (quase “erupção” devido à sua velocidade e impacto) de economias de milhares de milhões de pessoas (China e Índia) e a crescente concorrência entre blocos desenvolvidos pela construção de economias baseadas no conhecimento, associada à difusão e “miscigenação” de novas tecnologias (Tecnologias da Informação e da Comunicação, biotecnologias, engenharias várias) e à transformação provocada pelo envelhecimento da população nas sociedades desenvolvidas, comporta uma valorização global do talento.
Os talentos (e o conhecimento) são cada vez mais decisivos em economias que se querem basear na inovação, na criatividade, na tecnologia e no alto valor acrescentado dos seus produtos e serviços. E potencialmente mais raros em sociedades envelhecidas. Esse talento pode ser técnico, artístico, criativo. Pode ser também a capacidade especial de aprender em permanência, de mudar, de aceitar riscos e desafios. De mobilizar excepcionalmente equipas, de gerir e de liderar.
É neste contexto que melhor se percebe o “Grande Jogo dos Talentos”, a competição acérrima e decisiva pelas qualificações e pela atracção e retenção de pessoas (e equipas) qualificadas/talentosas (nos países, nas regiões e nas empresas).
Olhando para Portugal é possível ser optimista e pessimista, como habitualmente. Podemos ser pessimistas se salientarmos o número de portugueses qualificados fixados no estrangeiro, as dificuldades em aproveitar pessoas estrangeiras qualificadas a residir em Portugal, o envelhecimento da população, as instituições avessas à mudança e que encaram o talento – e a diferença - como uma ameaça, os problemas ao nível da atracção e retenção de Investimento Directo Estrangeiro, as historicamente baixas taxas de retorno do investimento em educação/qualificação, o insucesso e o abandono escolares e os índices de pobreza e exclusão social.
Podemos ser optimistas se considerarmos a proliferação de iniciativas no âmbito da Sociedade da Informação, o potencial a explorar (em exploração?) de atracção dos portugueses qualificados espalhados pelo Mundo e de atracção de imigrantes qualificados, as “empresas-iguaria” que existem em Portugal em diversos sectores (exs: Critical Software, YDreams, Mobicom, Bial, Chipidea, Logoplaste, Martifer, Renova etc - algumas delas spin-offs das Universidades e Centros de Investigação) e o nível muito significativo de investimento público em educação/formação.
De qualquer forma, independentemente do nosso optimismo ou pessimismo individual, o “jogo” já está a decorrer. Vamos ver quem ganha.

sexta-feira, maio 02, 2008

Abrir a Janela e Olhar para o Mundo


A nossa princesa, apesar do nome, tem por hábito olhar para fora da Europa. Ou melhor, a nossa princesa, tendo consciência do nome, sabe que a compreensão da Europa será sempre parcial sem a capacidade de olhar para fora dela, para as grandes forças globais de mudança que marcaram o seu passado e enquadram o seu futuro.

Não se pode compreender a integração europeia sem perceber as implicações de duas guerras mundiais e a ascensão das duas super-potências do século XX: URSS e EUA. Não se pode compreender o alargamento da UE a um conjunto de países da Europa Central e Oriental sem perceber a fragmentação do império soviético e da sua esfera de influência (Jugoslávia incluída).

Tal como não se pode compreender, por exemplo, a Estratégia de Lisboa sem perceber o impacto na Economia Mundial de dois grandes actores: a China (“a fábrica do mundo”) e a Índia (“o escritório do Mundo”). Ou a crescente importância da Política Energética Europeia sem ter em conta as limitações na oferta de petróleo e o crescimento exponencial da procura de hidrocarbonetos proveniente das grandes economias em ascensão. Ou a valorização do Euro sem a integrar no contexto das idiossincrasias da economia americana. Ou a necessidade de rever as regras subjacentes ao Modelo Social Europeu sem uma percepção clara das consequências da posição particularmente sensível da Europa no que toca ao envelhecimento da população.

Se aplicarmos o mesmo raciocínio a Portugal encontramos, para lá das grandes forças globais, dois “enquadramentos próximos” altamente definidores do futuro do nosso país: Espanha e União Europeia. E se o distanciamento dos portugueses relativamente às questões europeias já foi amplamente identificado e debatido, já o distanciamento português no que toca às questões espanholas (ou ibéricas, se preferirem) é menos falado. E, no entanto, o futuro a médio e longo prazo de Portugal será sempre marcado pela evolução da economia e da sociedade espanholas. Pensem apenas em duas estruturas muito simples de Cenários para Espanha para entendermos rapidamente a enorme diferença ao nível dos desafios que colocam a Portugal:

· Estrutura de Cenário 1: o modelo de crescimento económico espanhol baseado no turismo, imobiliário, serviços pessoais e indústrias da saúde (“modelo Flórida”) e energias renováveis e aeronáutica consegue renovar-se continuamente (apesar de alguns “sustos” ligados à queda do preço do imobiliário) e garantir taxas de crescimento sustentadamente acima dos 3%. Para além disso, as grandes empresas espanholas consolidam uma presença dominante na América Latina e investem em larga escala e com sucesso nos países Anglo-Saxónicos (exemplo: EUA) e em algumas das mais dinâmicas economias emergentes. Uma maior autonomia regional é concedida, sem pôr em causa a capacidade de “Madrid” canalizar fundos para apoio ao desenvolvimento das regiões mais pobres. Na Europa, Espanha afirma-se como um “grande” de pleno direito, com uma Economia mais competitiva do que, por exemplo, a italiana.

· Estrutura de Cenário 2: a crise no mercado imobiliário fragiliza a economia espanhola e a estabilidade dos seus grandes grupos económicos ligados aos sectores infra-estruturais. Os europeus desinteressam-se pelo investimento residencial em Espanha não só devido à instabilidade do mercado mas também em consequência da crescente instabilidade e violência no Sul do país. Grandes empresas espanholas envolvidas na expansão para a América Latina mudam de propriedade, sendo adquiridas por investidores franceses, alemães e britânicos. As tensões entre Catalães, Bascos e “Madrid” aumentam com a concessão de cada vez maior autonomia assente na apropriação das receitas fiscais pelas regiões autónomas espanholas. Por outro lado, a divisão entre conservadores e liberais em Espanha acentua-se, levando a posições cada vez mais extremas que tornam praticamente impossível o estabelecimento de consensos nacionais. As relações com o Norte de África são tensas com “erupções periódicas” em torno de Ceuta e Mellila. O Estado espanhol estaria pressionado por todos os lados.

O futuro de Espanha pouco será influenciado pelo futuro de Portugal. Mas reparem como o contrário não é verdade. Como ficaria Portugal em cada um destes Cenários? Que riscos comportam para Portugal? Que opções deixam em aberto? Que oportunidades abrem? Como as podemos aproveitar? Que sinais devemos monitorizar para nos apercebermos se o nosso vizinho caminha numa ou noutra direcção? O que pudemos fazer desde já para nos prepararmos para eles?
São precisamente as forças que não controlamos que temos que compreender melhor. E a nossa princesa sabe que a ilusão de que o futuro da Europa só depende dela própria pode acabar por condicionar esse futuro, aumentando os riscos das utopias europeias se transformarem em distopias. Para Portugal, como vimos, o raciocínio é o mesmo. É por isso que a Princesa abre a janela e, com o máximo de atenção, olha para o Mundo.

sexta-feira, março 14, 2008

O elefante cor-de-rosa que nos diz “bom dia”

Sinais fracos são pequenos sinais de grandes mudanças. Trata-se de pequenas alterações no contexto competitivo de uma determinada organização ou território, difíceis de captar (porque a informação é normalmente escassa e fragmentada) mas com grande potencial de criação de vantagens competitivas para os actores que os consigam identificar e interpretar em tempo útil. Podem indiciar, por exemplo, novas tendências, a alteração de tendências actuais ou eventos disruptivos (wild cards).
É precisamente o facto de serem fracos e difíceis de captar que os torna mais importantes. Se fossem fortes seriam, em princípio, visíveis por todos, incluindo os nossos concorrentes, pelo que o seu entendimento não traria vantagem estratégica. Coloquei a ressalva “em princípio” porque, por estranho que pareça, mesmo sinais fortíssimos parecem por vezes ser ignorados pelos agentes. É como ir na rua e ignorar o elefante cor-de-rosa que calmamente passa por nós e nos diz “bom dia”. Veja-se o caso do grande alargamento da UE aos países da Europa Central e Oriental em 2004 e a reacção de enorme preocupação, registada em 2004, de um conjunto de agentes económicos e de receptores de fundos comunitários. A existirem preocupações com os impactos profundos na economia portuguesa e na nossa posição na UE elas deveriam ter-se manifestado pelo menos desde o início do novo século, sendo que sinais dessa evolução já deveriam ter sido captados e interpretados pelo menos desde o início da década de 90 do séc. XX, com a implosão do império soviético.
No entanto, muitos dos sinais fracos captados por um agente não se revelam importantes no futuro. A ideia base é que, de um conjunto de sinais captados, se comece a retirar padrões de compreensão da realidade que levam à antecipação de mudanças estruturais relevantes para o foco em análise (a nossa empresa, a nossa instituição, a nossa cidade ou o nosso país). Mesmo que, naturalmente, muitos dos sinais captados acabem por não ter importância estratégica.
Um exemplo: as possibilidades abertas pela convergência das biotecnologias, das nanotecnologias e da electrónica ao nível dos chips (circuitos integrados) e dos implantes humanos. As tecnologias já existem ou estão em desenvolvimento e as suas potencialidades de utilização e impactos nos negócios e na vida das pessoas podem ser muito fortes.
Não só poderão servir para a localização permanente das pessoas como ter implicações ao nível da segurança que levem, por exemplo, alguns países a tornar obrigatória a respectiva implantação. As notas e as moedas em circulação deixarão de fazer sentido pois o nosso implante incluirá uma “carteira electrónica”. Tal como os cartões de crédito pois mesmo os computadores tenderão a ser capazes de “ler” o nosso chip pelo que não será necessário qualquer número de cartão de crédito para pagamentos on-line. E serão os implantes todos iguais ou poderão vir a existir uns mais avançados (e mais caros) que outros, capazes de operações mais complexas, de estímulos mais avançados, de fornecer uma maior amplitude de sensações e de uma monitorização mais completa do nosso estado de saúde, por exemplo. Aliás, não há nenhuma razão para eu querer o meu implante biónico igual ao dos outros, havendo também aqui, lugar para a personalização do produto de acordo com os gostos e opções do portador.
Reparem como, neste caso, da convergência de áreas tecnológicas antes separadas se podem retirar potenciais consequências e desafios para o Estado e a vida em sociedade (ética, segurança), as finanças e a moeda (pagamentos e moeda circulante), tecnologia, marketing, saúde, etc. E não se esqueçam que há 25 anos não existiam, por exemplo, a Internet, um país chamado Rússia, a ubiquidade dos PCs, a China a crescer a dois dígitos, um telemóvel no seu bolso, a UE alargada e a livre circulação, hipermercados em Portugal, a Índia a atrair serviços de todo o mundo, a liberalização do comércio e dos investimentos e a Al-Qaeda. Mas os sinais para todas estas mudanças já existiam.

sexta-feira, janeiro 04, 2008

Olhares sobre o mundo II

Entre os temas abordados no último artigo contava-se a instabilidade nos mercados financeiros que teima em continuar. E se o “susto” teve a consequência, como referi, de colocar um travão à subida das taxas de juro na zona euro, também parece ter colocado um travão às expectativas de crescimento quer nos EUA quer na Europa. Os analistas discutem se as economias emergentes da Ásia (principalmente as muito grandes: Índia e China) terão capacidade para manter as suas muito elevadas taxas de crescimento independentemente das crises financeiras e imobiliárias de outros. Eu, se tivesse que apostar, apostaria que não. Apostaria que a globalização é para o bem e para o mal e que uma expectável diminuição do consumo nos EUA dificilmente deixará de afectar o crescimento Chinês, por exemplo. O índice de Xangai já dá, aliás, claros sinais de correcções. E reacções proteccionistas ao nível da circulação de capitais poderão piorar ainda mais a situação, dificultando a “reciclagem” dos imensos superávites comerciais quer das “fábricas” asiáticas quer dos produtores de petróleo e gás natural. Ainda no capítulo financeiro, “quelqu’un ma dit”, veremos muito provavelmente durante 2008 o resultado de uma das muitas discussões lançadas pelo imparável presidente francês Sarkozy: a da independência do BCE, instituição actualmente encarregue de limitar pressões inflacionistas e não de gerir ciclos de crescimento/recessão económica na zona euro.