sexta-feira, fevereiro 25, 2005

O PS ganhou. Viva o PS.


Uma das conclusões que retiro da difícil transição política que culminou com as eleições do passado domingo é a importância que teria a existência em Portugal de um verdadeiro Partido Liberal. Partido de grande tradição na Europa, é normalmente coligável com a esquerda e a direita moderadas, podendo “solucionar” problemas como os que enfrentaria o PS se não tivesse obtido a maioria absoluta e evitar a dramatização da necessidade dessa maioria - até porque não há nenhuma razão, antes pelo contrário, para governos de coligação não serem mais reformadores e exigentes para com a sua acção governativa, existindo, pelo menos em teoria, um maior controle sobre essa mesma acção. Adicionalmente, um Partido Liberal dificultaria o à vontade com que o Bloco de Esquerda se apresenta como o defensor de um conjunto de "causas de sociedade" (liberalização e utilização terapêutica das drogas, aborto, adopção de crianças por famílias não tradicionais, casamento entre homossexuais, aborto, eutanásia, etc.), estando, por outro lado, muito mais à vontade na área económica e nas possibilidades da Globalização, da internacionalização, da concorrência e outras facetas positivas da Economia de Mercado. Poderia, resumindo, ocupar um vazio significativo no espectro político português e tornar mais dinâmica e fluída a nossa vida democrática.
Mas centremo-nos na realidade dos votos de domingo.
O PCP cresceu, o que por si só é muito significativo. O novo líder passou no primeiro, e talvez mais difícil, teste. Assim, pela lógica, devemos ter Jerónimo de Sousa por mais uns 15/20 anos à frente do partido. É que ninguém parece acreditar que alguma vez Carlos Carvalhas conseguisse, nas mesmas circunstâncias, um resultado como este. E Carlos Carvalhas foi Secretário-Geral durante 12 anos...
O Bloco de Esquerda cresceu muito (apesar de continuar a ser a quinta força política). Confiante, Francisco Louçã celebrou o bom resultado em tom desafiador ao PS. O Bloco é, sem dúvida, um fenómeno muito interessante da nossa política. No entanto, curiosamente, parece-me beneficiar muito da referida ausência, em Portugal, de um Partido Liberal, captando muitos votos de pessoas que, no fundo, não partilham da desconfiança dos dirigentes bloquistas face à Economia de Mercado e à Globalização.
Jorge Sampaio também é um vencedor destas eleições Basta imaginar o que seria ter de convidar Santana Lopes, após tudo o que se passou, a formar novamente governo.
O PP perdeu. Paulo Portas foi lesto a assumir responsabilidades e demitiu-se, garantindo ir preparar uma “sucessão sossegada”. Ninguém acredita, no entanto, que ele fique “sossegado” (e ainda bem, pois demonstrou ser um político eficiente, profissional e mobilizador - para quem acredita, claro).
Santana Lopes foi o maior derrotado destas eleições. Nem vale a pena tentar explicar porquê (até porque, muito provavelmente, ele continuará a garantir a visibilidade dessas razões).
O PS ganhou. Viva o PS.

sexta-feira, fevereiro 04, 2005

Europa inquieta


A nossa princesa está inquieta. São várias as preocupações:


“Gordura”: longe vai o ano de 1957 em que 6 países, em Roma, assinaram o Tratado fundador. Hoje são 25, muito dispersos quer no que toca às matrizes culturais e económicas quer às ambições.


Referendos: o Tratado Constitucional aprovado em Junho de 2004 e assinado, com alguma nostalgia, em Roma em Outubro do mesmo ano, terá que ser ratificado pelos Estados-Membros (EM’s). E o “problema” é que alguns desses EM’s vão realizar referendos. No Reino Unido, por exemplo, onde o eurocepticismo tem sido regra. Na Dinamarca, por exemplo, que já recusou por uma vez o Tratado de Maastricht e por outra a Moeda Única. Na Polónia e na República Checa, por exemplo, cuja “alegria” pela entrada na União Europeia (UE) tem sido, no mínimo, contida (veja-se a votação maioritariamente contrária ao Tratado Constitucional protagonizada pelos eurodeputados checos e polacos no Parlamento Europeu no mês passado).

Parlamentos Nacionais: terão um papel no controle (efectivo ou teórico?) do princípio da subsidiariedade (i.e. da ideia de que a UE apenas intervém se fizer melhor que o país e que a região) mas não só não é clara a forma de intervenção efectiva no processo legislativo comunitário como, acima de tudo, não é clara a capacidade/disponibilidade dos referidos Parlamentos para tal acção (com algumas excepções vindas do Norte da Europa).


Política Externa: como ter uma voz no mundo quando múltiplos sussurros e interesses emergem no seio dos 25? Como o fazer com orçamentos reduzidos (quer a nível da União quer a nível nacional) na área da Segurança e Defesa?


Novo Quadro Financeiro: como contentar ricos cansados de pagar e com dificuldades económicas próprias, “pobres recorrentes” (Portugal, Espanha e Grécia) que querem continuar a receber e “novos pobres” (os que entraram em 2004) que têm legítimas expectativas de receber.


Pacto de Estabilidade e Crescimento: como articular clareza de regras, credibilidade e igualdade de tratamento com flexibilidade no encarar de cada situação específica?


Estratégia de Lisboa: como redefinir as utopias de liderança económica global assumidas em Lisboa em 2000 e cujo falhanço (até ao momento) foi reconhecido recentemente pela UE?


Turquia: vai entrar o futuro EM com mais votos no seio das instituições da UE?


É uma princesa inquieta que olha para estas e outras questões. Uma princesa com alguns quilos a mais, com receio dos votos (e das abstenções) populares, da acção (e da inacção) dos Parlamentos Nacionais, das diferenças que existem, no seu seio, em termos de visões do mundo, da escassez de dinheiro e do não cumprimento de regras (e da inadequação destas). Com receio das próprias utopias que criou e de um grande vizinho de matriz islâmica que lhe bate à porta, impaciente.