sexta-feira, maio 01, 2009

N2: mais do que isso não me peçam, deixem-me fumar o meu cigarro e voltar para os matraquilhos, por favor

Esta semana ando a viajar. Esta coluna não é uma coluna dedicada às viagens. E eu não sou um viajante. Mas em viagem há ideias que aparecem. E eu gosto de sair, de aproveitar a oportunidade que tenho de conhecer o que me rodeia. Esta é uma viagem pelo familiar. Por Portugal, percorrendo a Estrada Nacional nº2 que liga, pasme-se, Chaves a Faro, passando por Viseu, claro. O objectivo é sair do dia-a-dia tão carregado de objectivos, tarefas e horários e tentar desaparecer nas conversas com as pessoas que vão aparecendo pela N2. E aparecem muitas pessoas pela N2. E, acima de tudo, muitas histórias. Narrativas de vendedores de uvas chilenas (2 euros a caixa) em pleno Alto Douro Vinhateiro que me confidenciam que em Viseu é que se vende bem. De um senhor, assustado, que olhava freneticamente para a estrada como se o viessem prender (pouco depois, vieram prendê-lo). Do senhor que, de mota, fazia 1200 km pelo Norte de Portugal, com a tenda às costas da mulher e a ideia dos copos ao final da tarde. Da dona de café de estrada que agora serve mais os sargentos do quartel do que os camionistas. Dos amigos que se juntam pela manhã para a conversa na sapataria-loja de desporto de um amigo recente em Santa Comba. De sonhos e memórias de um interior de Portugal envelhecido. De pessoas cheias de força, ainda. De sorrisos espontâneos de pessoas sentadas em muros e paragens de autocarro a ver passar os carros, os outros e as cabeças de gado. Os três quartos de hora de conversa no Torrão também me ficaram na memória. As desventuras dos alentejanos que construíram a Grande Lisboa; que passaram do trabalho no campo a 30 escudos por dia para a construção a 180; que chegavam a casa no sábado à noite e voltavam a partir para Lisboa ao final da tarde de domingo; que têm histórias maravilhosas para contar; e que contam a quem os quiser ouvir. E as meninas de Viseu que vinham todos os anos trabalhar para os campos à volta do Torrão? Quem as trazia era o dono dessa casa, está a ver? (e os olhos brilhavam, mesmo, como se as estivesse a ver - e estava, claro) De vez em quando esta suave decadência do interior de Portugal faz-me lembrar o inevitável Edward Hopper. Eu sei que é um cliché, paciência. Talvez se o Hopper e a Joana Vasconcelos se fundissem e contratassem a A. Silva e Silva para construir um país resultasse em algo parecido. Há quem saiba que a N2 termina no Algarve, basta ir sempre em frente. Há quem não saiba onde está. Há quem pense que a N2 termina em Vila Real e que a seguir vem o Porto, antes de Coimbra. Mais do que isso não me peçam, dizem, deixem-me fumar o meu cigarro e voltar para os matraquilhos, por favor.