sexta-feira, maio 02, 2008

Abrir a Janela e Olhar para o Mundo


A nossa princesa, apesar do nome, tem por hábito olhar para fora da Europa. Ou melhor, a nossa princesa, tendo consciência do nome, sabe que a compreensão da Europa será sempre parcial sem a capacidade de olhar para fora dela, para as grandes forças globais de mudança que marcaram o seu passado e enquadram o seu futuro.

Não se pode compreender a integração europeia sem perceber as implicações de duas guerras mundiais e a ascensão das duas super-potências do século XX: URSS e EUA. Não se pode compreender o alargamento da UE a um conjunto de países da Europa Central e Oriental sem perceber a fragmentação do império soviético e da sua esfera de influência (Jugoslávia incluída).

Tal como não se pode compreender, por exemplo, a Estratégia de Lisboa sem perceber o impacto na Economia Mundial de dois grandes actores: a China (“a fábrica do mundo”) e a Índia (“o escritório do Mundo”). Ou a crescente importância da Política Energética Europeia sem ter em conta as limitações na oferta de petróleo e o crescimento exponencial da procura de hidrocarbonetos proveniente das grandes economias em ascensão. Ou a valorização do Euro sem a integrar no contexto das idiossincrasias da economia americana. Ou a necessidade de rever as regras subjacentes ao Modelo Social Europeu sem uma percepção clara das consequências da posição particularmente sensível da Europa no que toca ao envelhecimento da população.

Se aplicarmos o mesmo raciocínio a Portugal encontramos, para lá das grandes forças globais, dois “enquadramentos próximos” altamente definidores do futuro do nosso país: Espanha e União Europeia. E se o distanciamento dos portugueses relativamente às questões europeias já foi amplamente identificado e debatido, já o distanciamento português no que toca às questões espanholas (ou ibéricas, se preferirem) é menos falado. E, no entanto, o futuro a médio e longo prazo de Portugal será sempre marcado pela evolução da economia e da sociedade espanholas. Pensem apenas em duas estruturas muito simples de Cenários para Espanha para entendermos rapidamente a enorme diferença ao nível dos desafios que colocam a Portugal:

· Estrutura de Cenário 1: o modelo de crescimento económico espanhol baseado no turismo, imobiliário, serviços pessoais e indústrias da saúde (“modelo Flórida”) e energias renováveis e aeronáutica consegue renovar-se continuamente (apesar de alguns “sustos” ligados à queda do preço do imobiliário) e garantir taxas de crescimento sustentadamente acima dos 3%. Para além disso, as grandes empresas espanholas consolidam uma presença dominante na América Latina e investem em larga escala e com sucesso nos países Anglo-Saxónicos (exemplo: EUA) e em algumas das mais dinâmicas economias emergentes. Uma maior autonomia regional é concedida, sem pôr em causa a capacidade de “Madrid” canalizar fundos para apoio ao desenvolvimento das regiões mais pobres. Na Europa, Espanha afirma-se como um “grande” de pleno direito, com uma Economia mais competitiva do que, por exemplo, a italiana.

· Estrutura de Cenário 2: a crise no mercado imobiliário fragiliza a economia espanhola e a estabilidade dos seus grandes grupos económicos ligados aos sectores infra-estruturais. Os europeus desinteressam-se pelo investimento residencial em Espanha não só devido à instabilidade do mercado mas também em consequência da crescente instabilidade e violência no Sul do país. Grandes empresas espanholas envolvidas na expansão para a América Latina mudam de propriedade, sendo adquiridas por investidores franceses, alemães e britânicos. As tensões entre Catalães, Bascos e “Madrid” aumentam com a concessão de cada vez maior autonomia assente na apropriação das receitas fiscais pelas regiões autónomas espanholas. Por outro lado, a divisão entre conservadores e liberais em Espanha acentua-se, levando a posições cada vez mais extremas que tornam praticamente impossível o estabelecimento de consensos nacionais. As relações com o Norte de África são tensas com “erupções periódicas” em torno de Ceuta e Mellila. O Estado espanhol estaria pressionado por todos os lados.

O futuro de Espanha pouco será influenciado pelo futuro de Portugal. Mas reparem como o contrário não é verdade. Como ficaria Portugal em cada um destes Cenários? Que riscos comportam para Portugal? Que opções deixam em aberto? Que oportunidades abrem? Como as podemos aproveitar? Que sinais devemos monitorizar para nos apercebermos se o nosso vizinho caminha numa ou noutra direcção? O que pudemos fazer desde já para nos prepararmos para eles?
São precisamente as forças que não controlamos que temos que compreender melhor. E a nossa princesa sabe que a ilusão de que o futuro da Europa só depende dela própria pode acabar por condicionar esse futuro, aumentando os riscos das utopias europeias se transformarem em distopias. Para Portugal, como vimos, o raciocínio é o mesmo. É por isso que a Princesa abre a janela e, com o máximo de atenção, olha para o Mundo.

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