sexta-feira, janeiro 09, 2009

Só uma vez uma ‘paceña’ (também nome de cerveja) ganhou o concurso de Miss Bolívia

A 20 de Novembro fui passear. Para longe. América do Sul. Peru e Bolívia.
Não é difícil. É preciso trabalhar, muito, antes, para poder partir. Também é preciso poder pagar a viagem. Mas não é caro. Não mais que umas férias de Verão no Algarve, com certeza. Mas, mais do que tudo, é preciso gostar de partir. É preciso saber que aquilo de que gostamos no nosso pequeno rectângulo ganha mais significado em perspectiva, visto de fora.
Estava muito curioso em relação à Bolívia, país encravado nos Andes, de revoluções constantes e de produtores de folha de coca. Foi deslumbrante. Os Andes são magníficos. Gostei do Peru. Amazónia, Machu Pichu e os Incas. A cosmopolita Lima, o cebiche e os “pisco sours” do velho hotel Bolivar na Praça San Martin. A magia de Cuzco. Mas adorei a Bolívia. Dura e agreste. Paraíso perdido, sempre com o céu por perto. Estranhamente perto de nós.
Descobri que os mapas na Bolívia não têm fronteiras porque, numa guerra com o Chile, a Bolívia perdeu o acesso ao mar que “completaria” o país – até nisso parece existir alguma poesia neste pedaço de mundo. E que as mulheres do Altiplano nunca (ou quase nunca) ganham concursos de beleza porque têm os pulmões maiores para respirarem melhor em altitude. Ganham sempre as de Cochabamba, Santa Cruz ou Sucre. E que Evo Morales promete “evo-lution”. E que El Alto é a capital mundial de wrestling feminino (http://www.cholitaswrestling.com/). E que professores cubanos andam de casa em casa a ensinar as pessoas a assinar o seu nome nas aldeias perdidas dos Andes. E que não há nenhuma estátua de bolivianos na avenida principal de La Paz. E que as pessoas não pintam as casas para não pagarem tantos impostos. E que é possível oferecer os Campos Elísios por amor (foi exactamente o que o espanhol Francisco Argandoña ofereceu à sua amada e mimada esposa Clotilde). Hoje, os Campos Elísios de Clotilde são um parque central em Sucre. E que Potosi já foi o centro do mundo, talvez maior que Londres e Paris (dizem eles, pelo menos), fonte da riqueza (e da inflação) espanhola e europeia devido a Cerro Rico, a montanha feita de prata que domina a cidade.
E, no entanto, a Bolívia é instável e pobre, oscilando entre a “maldição dos recursos” (sejam eles prata, ouro, gás natural, petróleo, silício, ou outros), nacionalismos fortes e tensões étnicas acentuadas, numa sociedade multi‑estratificada em que a maioria da população luta, todos os dias, pela sobrevivência.
E também é claro que o mundo ocidental é privilegiado. Podem ser privilégios frágeis, mas são claros. Podemos viajar, podemos ir, ver e voltar. Temos estabilidade política e Estados (relativamente) equilibrados e cooperantes. Democracias, impulsionadas por uma larga classe média relativamente informada e exigente, (ainda) capazes de absorver choque e de criar alternativas e transições tranquilas.