sexta-feira, novembro 28, 2014

Um tempo serenamente disléxico

Encontrei um livro de Murakami lá em casa e adotei-o. Leio-o devagar, ao mesmo tempo que leio outras coisas. As ideias e os acontecimentos que descreve vão interferindo com os meus pensamentos e dia-a-dia. É como se o dia-a-dia descrito por Murakami nesse mundo possível de 1Q84 contaminasse o meu, lentamente. Acho que estou perante uma obra-prima. As disrupções temporais que explora, as distorções do possível que evoca, transformam o ano de 1984 no ano de 1Q84. De alguma forma, trata-se de um processo idêntico ao que utilizamos quando, através do encontro entre a grande mas falível capacidade cerebral que possuímos e os acontecimentos, interpretamos o real (e formamos convicções; e tomamos decisões). Esta espécie de dislexia do tempo e do possível é consumidora de energia, particularmente numa sociedade da informação em grande aceleração a que se tende a responder com inércia (não confundir com tolerância) ou com sobre-simplificação (não confundir com clareza). Como orientação, só me consigo lembrar de um caminho no sentido: • da consideração aberta do possível (combatendo fatalismos); • do reconhecimento da incerteza (a partir do conhecimento e não da ignorância); • da capacidade de reconhecer padrões (e limitações) pessoais de interpretação e de decisão; • e da escolha, em liberdade, de mediadores (Quem ler? Quem ouvir? Quem escolher para nos informar? Quem acompanhar? A que comunidades pertencer?).