Quando Zeus, sob a forma de touro, seduziu a jovem e bela princesa Europa, levando-a no seu dorso para Creta (e iniciando-se aí, segundo a lenda, a definição de uma civilização europeia independente da Ásia), dificilmente poderia imaginar que, se esta lenda fosse actualizada para os nossos dias, a jovem princesa se transformaria, provavelmente, numa senhora na casa dos sessenta anos a iniciar o seu período de reforma e à espera que o Estado lhe comece a pagar a pensão a que tem direito. É que a Europa (“princesas” incluídas) está a envelhecer...
Fala-se correntemente em Estado-providência e em envelhecimento da população. Para efeitos deste artigo, a componente do tradicional Estado-providência que está em causa é a faceta do modelo de capitalismo euro‑continental ligada aos sistemas de pensões e que se caracteriza pelo predomínio de pilares públicos financiados em regime de repartição, com benefícios definidos e assegurando uma substituição do rendimento. Relativamente à dinâmica de envelhecimento, ela consubstancia-se nos seguintes fenómenos: (1) o envelhecimento geral da população que coloca pressões adicionais sobre a população activa no suporte do grupo crescente dos cidadãos reformados; (2) o envelhecimento da população activa que provocará alterações na adequação dos perfis de conhecimentos/competências e na capacidade de aprendizagem; (3) o envelhecimento no seio da população idosa que consiste num aumento do “peso” dos cidadãos com 80 ou mais anos e que será acompanhado por um aumento dos níveis de consumo de serviços de saúde e das situações de invalidez e dependência.
Face a esta tríade de “envelhecimentos” (população mais velha, trabalhadores mais velhos e, mesmo, idosos mais velhos) o Estado‑providência exige uma maior canalização de recursos, o que põe os Estados europeus perante múltiplas escolhas. Uma delas, na minha perspectiva, é a escolha entre o Welfare e a promoção do desenvolvimento de uma defesa europeia autónoma. No referido contexto, a “vontade” política de desenvolver a autonomia estratégica europeia (face aos EUA) esbarra, inevitavelmente, na realidade do Pacto de Estabilidade e Crescimento e num orçamento comunitário limitado a 1.27% do PNB comunitário. Esta é, na minha perspectiva, uma primeira zona de tensão.
Por outro lado, os “três envelhecimentos” podem levar os poderes públicos europeus a tentar colmatar esse facto com a abertura à entrada de uma população imigrante maioritariamente jovem e participante no esforço contributivo do país onde se insira. Esta possibilidade não é, no entanto, completamente clara, dada a dimensão (e as eventuais consequências dessa dimensão) de que teriam que se reverter estes fluxos migratórios para que a referida compensação fosse efectiva. De facto, uma segunda zona de tensão tem a ver com a resposta ao aumento das pressões demográficas via imigração, sendo que ela pode, nos extremos, levar a uma abordagem puramente comunitária do fenómeno “imigração” ou provocar um retorno às concepções estritamente nacionais da imigração (pondo em causa, por exemplo, o espaço de livre circulação de pessoas) que levem, subsequentemente, a conflitos potenciais em torno das visões externas dos Estados‑membros.
A UE aparece, assim, como um “gigante complexo de cruzamento de soberanias” entre actores (sejam eles instituições europeias, governos nacionais, ONG’s, autarquias, regiões, eleitores ou outros). Voltarei a entrar nesse “gigante” (por uma “porta” diferente) num próximo artigo.
sexta-feira, junho 21, 2002
A Pensão, a Pistola e o Imigrante
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