sexta-feira, dezembro 27, 2002

Forças Armadas: aproximação a uma racionalidade


Como ficou tragicamente claro com os acontecimentos de 11/9/2001, dificilmente se poderá compreender em profundidade os conflitos através de uma abordagem do contexto internacional apenas do ponto de vista das relações de força entre potências, sendo necessário encontrar uma leitura que tenha em conta as sociedades onde se inserem e as suas dinâmicas próprias e que complete as análises (sempre fundamentais, diga-se) baseadas na natureza dos actores, na intensidade da violência, nos meios empregues, nos objectivos, nas motivações e/ou na relação com o território. A demografia constitui, mais uma vez, um bom exemplo. Os múltiplos fenómenos de pressão demográfica (seja sob formas legais ou ilegais) parecem poder constituir-se como uma nova forma do clássico “caldo instigador da guerra” (demográfico mas também económico, psicológico e, porque não, civilizacional) de que falava Bouthoul, “pai” da polemologia (ciência que estuda a génese e a evolução dos conflitos militares). Pressão, claro está, não só ligada às assimetrias de desenvolvimento, globalmente reconhecidas como um dos principais factores de risco e promotoras de “sociedades dispensáveis” (a que se refere Adriano Moreira), mas sobretudo, na minha perspectiva, às assimetrias de representatividade, caracterizáveis pela incapacidade de civilizações importantes gerarem potências de relevo mundial, formando-se pólos de grande instabilidade que afectam inevitavelmente os países mais ricos e poderosos (instabilidade eventualmente – e paradoxalmente – provocada através da utilização agressiva de tecnologias desenvolvidas nesses mesmos países).
De facto, todo o conflito é, cada vez mais, multidimensional, com o seu sentido a ser vivido sempre de forma diferente pelos actores em presença e sendo inúmeras as interpenetrações não só entre os fenómenos que corporizam e moldam a sociedade contemporânea como também entre esta, os conflitos e as Forças Armadas. É a complexidade de novo em acção e é face a ela (e a elevados níveis de exigência) que se encontra a instituição militar no século XXI, “obrigada”, num contexto de rígidas condições orçamentais, a agilizar os processos de planeamento estratégico e a definir difíceis critérios de prioridades na obtenção de capacidades e no emprego sustentado das forças nacionais nos vários teatros de operações. Todo este contexto de “mudança” que coloca renovados desafios ao funcionamento das instituições responsáveis pela gestão da violência colectiva, “feito” de fracturas tecnológicas, alterações no contexto geopolítico e geoestratégico, novos tipos de ameaças à segurança colectiva, desenvolvimento cada vez mais frequente de missões de paz, reconversão das estruturas internacionais de defesa, mudanças no próprio Estado, mudanças profundas na sociedade e nos elos entre os indivíduos, etc., não invalida, no entanto, algumas permanências, ligadas não só a valores e regras da instituição militar e à formação de cada militar mas sobretudo, e alargando o objecto de análise, às duas finalidades fundamentais de qualquer unidade política (que contextualiza e determina, entre outros, os objectivos das instituições militares): sobrevivência/manutenção da soberania e progresso/bem‑estar.

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