sexta-feira, dezembro 20, 2002

Uma Europa (ainda?) medieval


O tema “natural” desta semana seria o Conselho Europeu de Copenhaga que reuniu os Chefes de Estado e de Governo dos quinze Estados-Membros (EM’s) da União Europeia (UE) e onde se discutiram temas tão importantes como o alargamento da UE a dez novos Estados, a ilha de Chipre, a adesão de Roménia e Bulgária e a marcação de uma data para o início das negociações com a Turquia. A delegação portuguesa, pelo que dizem as notícias, fez finca-pé no aumento das quotas leiteiras para o nosso país. Mas hoje não vou tratar estas matérias. Prefiro, em época natalícia, falar de uma outra UE (bem mais divertida, diga-se), relatando-vos uma pequena história que se passou com uma amiga minha que, financiada e seleccionada pelo Estado português, resolveu, depois da licenciatura, aprofundar os seus conhecimentos das matérias europeias numa das mais conceituadas instituições de ensino nesta área: o Colégio da Europa em Bruges. Obtido o canudo e tendo optado por voltar para Portugal (onde é que já se viu tal opção?), necessitou, a dada altura, que uma Universidade Portuguesa reconhecesse a veracidade do diploma (não o nível ou o grau, mas apenas que o diploma era verdadeiro). A história que me contou (pedindo à minha amiga, desde já, desculpa por alguma omissão) foi mais ou menos esta: «O meu objectivo era pedir à Universidade X o reconhecimento do MA (Master of Arts) que obtive em Bruges. (1) Comecei por conversar com o Vice-Reitor da Universidade em causa e com um Professor da Faculdade encarregue do reconhecimento para saber se valeria a pena o investimento de tempo e dinheiro, ao que me responderam que, em princípio, não notavam qualquer impedimento de maior. Resolvi então iniciar o processo burocrático. (2) Após várias conversas telefónicas com o Departamento de Assuntos Académicos da Reitoria da Universidade X, desloquei-me ao dito Departamento onde, finalmente, uma funcionária (Sr.ª A) me informou que eu tinha toda a documentação necessária menos a “legalização” do diploma. Perguntei como se faria tal “legalização” ao que me responderam que seria através da apostilha da Convenção de Haia a apor pelos serviços consulares da embaixada portuguesa no país de origem (neste caso, Bélgica); perguntei o que era a “convenção de Haia” ao que me responderam prontamente que não sabiam. (3) Após alguma pesquisa na internet, descobri que se tratava de uma convenção de 1961 e contactei o GDDC (Gabinete de Documentação e Direito Comparado que é o órgão nacional responsável pelas questões relacionadas com a Convenção de Haia de Direito Internacional Privado), tendo sido informado (pela Dr.ª M) que a tal aposição era feita pela Procuradoria‑Geral da República, em Lisboa. Achei estranho, mas....(4) Telefonei para a Procuradoria onde me disseram que não podiam fazer isso, sendo a apostilha da responsabilidade da já mencionada secção consular portuguesa na Bélgica. (5) Voltei a ligar para o GDDC onde a Dr.ª M me disse que tinha percebido mal e que, de facto, era no consulado. (6) Telefonei à Direcção-Geral (DG) dos Assuntos Consulares e Comunidades Portuguesas onde o simpático Gabinete de Atendimento ao Público me informou que estas coisas teriam que ser tratadas na secção consular da Embaixada Portuguesa em Bruxelas; o mesmo Gabinete, no entanto, informou-me que, depois, me deveria deslocar ali para reconhecer a assinatura do cônsul....(7) Já um pouco céptica, telefonei à Direcção Geral dos Assuntos Comunitários do Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE) (que trata, aliás, dos assuntos relacionados com a selecção e o financiamento dos portugueses que vão para o Colégio da Europa – falei, após algumas tentativas, com a Dr.ª J) na esperança de não ter que me deslocar a Bruxelas, tendo-me sido confirmado, com algum desdém, que “esse problema” teria que ser tratado na secção consular da Embaixada em Bruxelas; (8) Telefonei para a dita Embaixada, onde os serviços consulares me informaram que tal apostilha era aposta (passe a expressão) não por eles mas pelo MNE belga; a seguir, o que eles faziam era atestar a citada aposição da apostilha pelo MNE belga (um sorriso escapou‑me pois lembrei-me que a DG dos Assuntos Consulares me tinha informado que era nessa DG que se procederia ao reconhecimento da assinatura do Sr. Cônsul). Ingénua, tinha o percurso traçado: MNE Belga para a apostilha, Serviços consulares em Bruxelas para reconhecimento da apostilha, DG dos Assuntos Consulares em Lisboa para reconhecimento do reconhecimento da apostilha, reitoria da Universidade X com a prova de que o meu diploma do Colégio da Europa não tinha sido forjado na Praça da Figueira...). (9) Telefonei para a secção académica da reitoria da Universidade X perguntando porque me tinham informado que me deveria dirigir aos serviços consulares portugueses na Bélgica; aí, uma colega da Sr.ª A (a Sr.ª estava doente) mostrou-se surpreendida por não serem os ditos serviços consulares o órgão competente mas logo de seguida referiu que, se o responsável for o MNE belga, por ela, não via inconveniente. (agradeci humildemente). (10) Telefonei para a embaixada belga em Lisboa para perguntar se seria possível tratar do assunto em causa (a tal aposição) sem me deslocar propositadamente a Bruxelas; disseram-me que não. (11) Telefonei para o MNE belga onde, após várias tentativas, consegui falar com o funcionário responsável pelas “legalizações e apostilhas”, o qual me disse que sim, que faziam isso mas que o tal documento (o diploma do Colégio) tinha, antes, que ser autenticado (penso que foi esta a expressão) pelo Burgomestre de Bruges – uma espécie de Presidente da Câmara - ou pelo seu escrivão, tendo o tal senhor responsável pelas “apostilhas” sublinhado que qualquer outra assinatura (que não a do Sr. Burgomestre ou a do Sr. Escrivão) implicaria a não aceitação do dito papel/documento); (dei uma gargalhada pedindo de seguida, educadamente, desculpas...). (12) Algo incrédula, telefonei para o Colégio da Europa onde falei com o responsável pelos Assuntos Académicos (Sr. T) tentando, com alguma dificuldade confesso, explicar-lhe resumidamente a situação. Particularmente difícil foi explicar que eu não pretendia o reconhecimento do grau mas apenas o reconhecimento de que o diploma é verdadeiro (ele perguntou-me várias vezes se eu tinha ou não o meu diploma ao que eu respondi que sim). Pareceu-me nunca ter ouvido falar da história da Convenção de Haia, tendo eu sentido um breve sorriso do outro lado quando lhe falei do “capítulo” do Burgomestre e do escrivão. Disse-me que não sabia se poderia fazer alguma coisa (de que serviria o Colégio assegurar que o seu próprio diploma era verdadeiro...) e que o melhor (e talvez a única hipótese) fosse tentar junto do MNE português (afinal eles participam na selecção e concedem as bolsas para o Colégio). Respondi que já tinha tentado mas que talvez o volte a fazer (talvez falando com uma pessoa diferente – nunca se sabe).»
E é assim. Não me atrevo, obviamente, a fazer qualquer comentário. Bom natal a todos.

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