sexta-feira, dezembro 09, 2005

E se tudo correr bem?


“Correr bem” é subjectivo, claro. E é ainda mais subjectivo quando estamos a falar da integração europeia, com o seu emaranhado de questões e tendências e um conjunto de actores frequentemente com interesses distintos.
Mas, nestes tempos de pessimismo, parece-me interessante reflectir sobre um cenário positivo, de equilíbrio nos rumos futuros do processo de integração. Um cenário em que o comboio da integração não trave de repente.
Imaginemos, então, um conjunto de evoluções possíveis para as posições de quatro dos actores-chave da UE na próxima década:
· Ao longo da próxima década a França aceitaria a redução gradual do peso da Política Agrícola Comum (PAC) no orçamento comunitário, encetando igualmente um processo de reformas estruturais internas que, ao transformarem o modelo de capitalismo francês, levariam a bons resultados ao nível do crescimento económico. Em termos internacionais, os dirigentes franceses perceberiam de forma clara as desvantagens de uma tentativa permanente de afirmação internacional em oposição aos EUA, o que permitiria a construção de laços fortes entre as duas potências (por exemplo, ao nível da defesa), potenciadores do dinamismo da indústria de defesa europeia e da afirmação progressiva de uma efectiva identidade europeia de defesa no seio da NATO. Esta seria uma França com uma nova geração de políticos no poder (talvez Sarkozy, talvez Villepin), sem Chirac e sem Jospin e muito dificilmente com Fabius.
· A Alemanha, apesar das dificuldades económicas e dos custos internos iniciais das reformas estruturais (bem sucedidas a médio prazo), aceitaria continuar a desempenhar o seu papel de maior contribuinte líquido para o orçamento comunitário. Por outro lado, já longe das sequelas da 2ª Guerra Mundial, assumiria um maior protagonismo internacional que se consubstanciaria, entre outras coisas, na respectiva entrada para membro permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Estas evoluções poderiam acontecer com um governo de bloco central na Alemanha liderado por Merkel ou por coligações CDU / Free Democrats (com ou sem Verdes) ou SPD com Verdes.
· Uma UE mais próxima dos EUA (mais parceira e menos rival) levaria a uma maior popularidade da UE no Reino Unido. Esta melhoria da imagem da UE teria como factos mais assinaláveis a redução gradual do “cheque britânico” e, sobretudo, a adesão do Reino Unido à União Económica e Monetária. O sucessor natural de Blair (Gordon Brown) parece ser a pessoa indicada para tornar possíveis estas evoluções, o que implicaria o continuar da ausência prolongada do poder dos Conservadores britânicos.
· Finalmente, a Holanda, receosa das pressões migratórias mas confiante relativamente a uma UE que conseguiu convencer o RU a aderir ao Euro e que aceitou a redução da contribuição líquida holandesa para o orçamento comunitário, participaria no processo de consolidação de um conjunto de políticas europeias no âmbito da Justiça e Assuntos Internos (JAI). Estas políticas revelar‑se-iam bastante mais eficientes que no passado no que toca, por exemplo, aos controle da imigração (deixando, contudo, alguma margem de manobra aos Estados‑Membros). Esta evolução holandesa implicaria a ausência dos populistas do poder e, provavelmente, um papel-chave dos Liberais nas coligações de Governo.

sexta-feira, novembro 11, 2005

Estamos Atentos?


Embora mais evidentes no presente, as dificuldades portuguesas na economia mundial não são de agora. Se olharmos para a década de 90 (para não ir mais longe) constata-se que a necessidade de alterar o perfil produtivo (e principalmente o perfil exportador) de Portugal (já naquela altura) era premente.
Já nessa altura os países do Leste da Europa se afirmavam como concorrentes quer nos sectores tradicionais intensivos em mão-de-obra e pouco exigentes em qualificações (ex: vestuário e calçado) quer em sectores mais baseados na escala e no conhecimento (ex: electrónica e automóvel). Já nessa altura estes países (República Checa, Polónia, Eslovénia, Eslováquia, Hungria, Bulgária, Roménia) prestavam particular atenção ao Investimento Directo Estrangeiro (IDE) como veículo fundamental para o crescimento, aumento da produtividade e transformação estrutural da economia.
Já nessa altura a China se posicionava como grande concorrente não só nos sectores tradicionais já referidos mas também em actividades mais baseadas no conhecimento (ex: electrónica). Hoje, apresenta-se como um gigante em quase todos os sectores de actividade, desde os baseados em mão-de-obra barata, até aos assentes na escala e na tecnologia. Mesmo na mais alta tecnologia, a China tem dado sinais claros de ser um actor a ter em conta.
Já nessa altura a Índia se afirmava como grande exportador não só em sectores tradicionais como também em serviços (de diversos níveis tecnológicos, desde os call centers até serviços de alta tecnologia como o desenvolvimento de aplicações informáticas).
Já nessa altura as regiões espanholas mostravam um grande dinamismo em actividades concorrenciais com as desenvolvidas em Portugal e se situavam face aos movimentos internacionais de IDE.
Não chega fazer melhor e de forma mais criativa o que Portugal fazia tradicionalmente. É indispensável, também, fazer coisas novas, atrair e gerar novas actividades criadoras de valor, de maior produtividade e mais sintonizadas com as variações do comércio internacional. Há uma nova vaga tecnológica - com efeitos ao nível do investimento e do comércio internacional - a emergir. Estamos atentos?

sexta-feira, outubro 07, 2005

Façam-lhe um funeral condigno


No rescaldo dos “nãos” francês e holandês ao Tratado Constitucional da União Europeia, os 25 Chefes de Estado e de Governo reuniram-se em Bruxelas, tendo o Conselho Europeu unanimemente declarado:
“... os cidadãos expressaram preocupações e inquietações que não podem deixar de ser tidas em conta. É, pois, necessário proceder a uma reflexão comum a este respeito. Este período de reflexão será aproveitado para realizar em cada um dos nossos países um amplo debate, ao qual serão associados os cidadãos, a sociedade civil, os parceiros sociais e os parlamentos nacionais, e bem assim os partidos políticos. (...) Marcamos encontro para o primeiro semestre de 2006, a fim de proceder a uma apreciação global dos debates nacionais...”
Amplo debate? Ao qual serão associados cidadãos, sociedade civil, parceiros sociais, partidos políticos? Partidos políticos? Quase não apetece comentar esta declaração tal é o vazio das palavras. O debate não existe, não é promovido, não há interesse nem de potenciais promotores nem de potenciais participantes no debate. O Primeiro-Ministro português assinou uma declaração de intenções vazia, subjectiva e desanimadora, cujas entrelinhas parecem afirmar em voz alta: “o Tratado Constitucional morreu, está enterrado e é irrecuperável. Vamos apenas tentar recuperar algumas partes para ver se nos entendemos a 25. Até porque o tratado em vigor, o de Nice, apenas entusiasmou num aspecto: a necessidade da sua revisão.”
É que o Tratado Constitucional morreu mesmo, e quanto mais tarde for enterrado, mais incómodo causa. O Tratado Constitucional só poderia entrar em vigor se tivesse sido ratificado por todos os Estados-Membros da União Europeia. E a França disse “não”. E a Holanda disse “não”. A República Checa adiou o referendo que estava marcado para Junho de 2006. A Dinamarca adiou o referendo que estava marcado para 27 de Setembro passado. A Irlanda também adiou o referendo, tal como Portugal. O Reino Unido adiou o referendo e a ratificação parlamentar. E a Suécia adiou esta última.
O Tratado Constitucional não entrará em vigor. Talvez seja possível aproveitar algumas das suas novidades menos polémicas, nomeadamente no que toca à simplificação dos Tratados e à transparência de funcionamento da União Europeia. Façam-lhe um funeral condigno. O mais rápido possível.

sexta-feira, setembro 09, 2005

“É insuportável a ideia de não existir ninguém neste país: tenho que me candidatar”


Em 1976, o possível futuro Presidente da República (PR) portuguesa começou o seu primeiro mandato como Primeiro-Ministro (PM).
Em 1983, o provável futuro PR portuguesa foi nomeado, pela segunda vez, PM.
Em 1985, o candidato do PS às próximas eleições presidenciais assinou, de forma decidida, o Tratado de Adesão de Portugal à União Europeia. Este foi o primeiro acto político em Portugal que acompanhei com entusiasmo. Foi uma vitória para Portugal e colocava-nos decididamente na rota da Europa e do desenvolvimento.
Em 1986, o candidato da esquerda às próximas eleições presidenciais foi eleito, pela primeira vez, PR. Estas foram as primeiras eleições que constam da minha memória, tendo apoiado, de forma activa e emocional, Mário Soares.
Em 1991, Mário Soares foi reeleito PR de forma esmagadora (já na altura o fenómeno do “vazio”, agora tão evidente, dava sinais de si).
Possível futuro PR, provável futuro PR, candidato do PS às próximas eleições presidenciais, candidato da esquerda às próximas eleições presidenciais, Mário Soares. Peço desculpa pela repetição, mas não me canso de repetir pois dizem-me que é verdade, li nas notícias dos jornais, mas ainda não acredito. Quando escrevo este artigo, quarta-feira 31 de Agosto manhã cedo, ainda tenho uma pequena réstea de esperança num recuo de última hora (mas, no fundo, sei que tal não é possível).
A candidatura de Mário Soares, homem ímpar na História portuguesa da segunda metade do século XX, representa o falhanço completo da renovação do sistema político, espécie de esclerose política geracional (com origem na geração de Mário Soares mas também, embora em menor grau, na de Cavaco Silva) que coarctou a renovação, assentando nesse seu falhanço (o de construir partidos e de fazer surgir dirigentes políticos capazes) a razão da sua manutenção no poder. “Não há mais ninguém, tenho que avançar”, terá pensado Mário Soares quando decidiu decidir ser candidato a candidato. É este “ninguém” que me inquieta. Será, como parece, que não há mesmo mais ninguém na esquerda portuguesa (a direita não está muito melhor) capaz de se apresentar como um candidato forte a PR neste início de século XXI? E será que, por não haver mais ninguém, vai ser eleito precisamente um dos principais responsáveis por esse vazio, tendo em conta o longo tempo de exercício de poder partidário por parte de Mário Soares.
Muito sinceramente, as próximas eleições presidenciais mereciam o aparecimento de surpresas. À esquerda e à direita. Alguém que pusesse em causa este vai e vem de “viciados” no poder e na História. Que estancasse a génese paradoxal deste processo que pode muito bem não passar de um diálogo íntimo do tipo: “é insuportável a ideia de um apoio do PS, do meu PS, a um camarada de luta mais dado às letras que às vitórias eleitorais; é ainda mais insuportável a ideia de um apoio do PS, do meu PS, a Freitas do Amaral; é insuportável a ideia de não existir ninguém neste país: tenho que me candidatar”.

sexta-feira, agosto 05, 2005

Dinheiro: precisa-se




Na União Europeia (UE), com a tensão terrorista ao rubro, as dificuldades de crescimento económico e a sensibilidade das questões ligadas à imigração e ao controlo de fronteiras a aumentar, o conceito de Estado independente tem conquistado espaço à ideia de Estado-membro (“Estado-membro”, logo co‑responsável pelas decisões do grupo e co‑responsável pelo sucesso da respectiva implementação). Só assim se explica toda esta tensão relativamente ao orçamento da UE, isto é, a 1% do produto da UE (um orçamento nacional normalmente situa-se entre 45 e 50% do produto nacional).
Com o reforço da importância da nacionalidade e as dificuldades de crescimento e de criação de emprego, as “comadres” começaram a contar cada euro. Olhando para os 15 “velhos” (esquecerei o Luxemburgo), referir-me-ei brevemente a uma diferença de base que, entre outras, estrutura o relacionamento entre Estados na UE: há quem pague e há quem receba, ou seja, alguns Estados-membros são contribuintes líquidos para o orçamento da UE, enquanto outros são beneficiários do referido orçamento.
Quando se sentam à mesa de negociações, é clara a diferença entre os que contribuem para o magro orçamento da UE e os que dele beneficiam de forma recorrente. Se eu dou dinheiro a alguém posso exigir algumas condições. Se eu recebo dinheiro, posso, quando muito, ser “bom aluno” (também posso ser “mau aluno” uma ou outra vez desde que tal comportamento não passe a ser uma regra reconhecida por quem me paga, correndo eu o risco do meu simpático financiador deixar, simplesmente, de pagar).
Por isso (mas não só) é que apenas os mais incautos pensariam que a Alemanha poderia ser multada por um défice na casa dos 4% do produto. Já bastará, na óptica alemã, ter oferecido a sua moeda nacional para ser gerida em conjunto com aqueles senhores e aquelas senhoras de pouca confiança do Sul da Europa e ser, desde sempre (e de longe), o maior contribuinte líquido (em valores absolutos) para o orçamento comunitário. “Chega! A Segunda Guerra Mundial já acabou há 50 anos e nós (alemães) temos problemas suficientes com a nossa economia e o nosso modelo de desenvolvimento.”
No outro lado da barricada estão nuestros hermanos que querem ser grandes, ficar em todas as fotografias e ter sempre uma palavra a dizer mas, simultaneamente, também querem continuar a receber fundos, porque ainda são pobres, e não podem enriquecer de repente, de forma puramente estatística. É uma esquizofrenia que limita, até ver, as ambições espanholas (na UE, leia-se; não em Portugal, como é patente).
Então, de quem vem o dinheiro, querendo controlar o seu destino? Da Alemanha, do Reino Unido, de França (muito pouco, em termos relativos), da Holanda (muito, demasiado, face à sua dimensão), da Suécia, da Dinamarca e de Itália (pouco).
E para quem vai o dinheiro, não querendo irritar os seus financiadores? Costumava ir para a Irlanda (que passou de “país da coesão” a segundo mais rico da UE em termos de produto per capita - logo a seguir aos por mim ignorados luxemburgueses), vai para a Espanha (principal beneficiário em termos absolutos), para a Grécia (o antigo parente mais pobre dos antigos pobres da coesão) e, claro, para Portugal (adivinharam: o actual parente mais pobre dos velhos países pobres da coesão; e mais pobre que os dois mais ricos de entre os dez países relativamente mais pobres que a média da UE que entraram para o clube a 1 de Maio de 2004: Chipre e Eslovénia; e muito em breve mais pobre que outros dois: Malta e República Checa).

sexta-feira, julho 01, 2005

Boa sorte


Blair tem em mãos uma tarefa extraordinária: convencer, em pouco tempo, os europeus continentais a alterar radicalmente a alocação de dinheiro ao processo de integração europeia, dedicando-o a áreas de vanguarda; e convencer, a breve trecho, os seus conterrâneos que essa Europa da inovação, sem PAC, com um Mercado Único grande e aprofundado e mais exigente na aplicação dos fundos estruturais, vale a pena, sendo fundamental para esse processo de transformação da Europa a adesão do Reino Unido (RU) à Moeda Única.
É para esta tarefa hercúlea de Blair que muitos na Europa olham com expectativa (começando por Durão Barroso, que tem passado por tempos complicados desde que assumiu a Presidência da Comissão Europeia – apoiado, lembre-se, pelo RU).
A concretizar-se, a Europa de Blair será uma Europa bem diferente. Com coordenação na área da Defesa mas sem ambições aprioristas de contra-poder face aos EUA. Com o euro e com um Mercado Único ainda mais desenvolvido. Com um papel forte dos Estados‑membros (EM) e grandes cautelas relativamente a avanços considerados como federalistas (aí a França não deixará de estar de acordo). Será uma Europa reformadora do seu modelo sócio-económico tão pressionado pela demografia e pela competição global. E será também uma Europa mais exigente no que toca à segurança e, possivelmente, mais atenta e selectiva em relação à imigração. Será menos coesiva e mais competitiva. Com menos fundos de coesão mas com renovadas oportunidades para os EM mais dinâmicos (e mais riscos para os que sejam incapazes de se reformar e de competir).
Se conseguir, Blair ficará na História. Se conseguir um acordo nas Perspectivas Financeiras, reformando a PAC e o “cheque inglês” e, depois, se aproximar o RU da União Europeia e do euro, Blair será justamente referenciado nas futuras resenhas históricas relativas ao início do século XXI do “Velho Continente”. Boa sorte.

sexta-feira, junho 03, 2005

Non


Os franceses disseram “não” ao Tratado Constitucional (TC) Europeu. E, ao mesmo tempo, parecem ter dito “não” a tudo menos ao texto do TC.
Disseram “não” ao governo francês e a Chirac (“Non à la Constitution, au gouvernement, à Chirac”, foi um dos slogans utilizados pelos defensores do “não”), ao desemprego crescente, aos alargamentos da União Europeia (UE) que limitam os privilégios franceses e à liberalização dos mercados. Mas não parecem ter dito “não” ao texto do TC. Isto porque, apesar do TC ser mais do que uma mera compilação dos Tratados anteriores (forma como tende a ser apresentado pelos trabalhistas no Reino Unido), não é, longe disso, responsável pela amálgama das recusas francesas.
O TC compila os Tratados, tornando-os mais legíveis (apesar do texto ainda ser muito extenso e pormenorizado) e traz algumas novidades relativamente a Nice (o Tratado em vigor), mas não tantas como possa parecer (nada que se compare ao Tratado de Maastricht, por exemplo). E, acima de tudo, não parece ter sido a essas novidades que os franceses disseram “não”.
Terão dito “não” à inclusão no corpo do TC da Carta dos Direitos Fundamentais?
Terão dito “não” à nova ponderação dos votos no Conselho (muito menos polémica do que a que pretendia substituir, i.e. a acordada em Nice)?
Terão dito “não” às poucas novidades no que toca às competências exclusivas da UE e à abrangência da votação por maioria qualificada?
Terão dito “não” à clarificação da delimitação de competências entre a UE e os Estados-Membros (EM)?
Terão dito “não” à possibilidade de uma cooperação estruturada permanente entre alguns EM no âmbito da Política Comum de Segurança e Defesa?
Terão dito “não” à definição de mecanismos de relacionamento entre a UE e EM que a desejem abandonar?
Terão dito “não” ao novo cargo de Ministro dos Negócios Estrangeiros da UE? Ou ao novo cargo de Presidente do Conselho Europeu?
Terão dito “não” ao fim da estrutura em 3 pilares e à assunção da UE como entidade possuidora de personalidade jurídica própria?
Não me parece.
Mas, então, se os franceses não disseram “não” às novidades do TC, disseram “não” a quê?
Na minha perspectiva, infelizmente, os franceses disseram “não” ao que o TC simboliza, i.e. à continuação, pelo menos nos moldes actuais, do processo de integração europeia.
E é aqui que surge um problema muito sério. É que todos parecem dizer que o “não” francês significa a necessidade de mudar o processo de integração na Europa (não se percebendo muito bem, no concreto, o que isso significa: mais proteccionismo? Mais subsídios? Mais impostos? Menos alargamentos? Mais núcleo duro? Mais peso dos “grandes”? Mas dos “grandes” no que toca à economia, aos meios militares, à demografia? Ou à importância que atribuem sistematicamente a si próprios?). E poucos parecem dizer algo que me parece mais óbvio: o processo de integração europeia é um movimento aberto (no que toca à participação dos Estados), reformista e exigente. Se os franceses legitimamente o recusam, isso não significa que os europeus o recusem. Se os franceses (compreensível mas infelizmente) recusam um processo de integração europeia que sempre os beneficiou (veja-se a Política Agrícola Comum e a Moeda Única, por exemplo) mas tende a beneficiá-los menos no futuro, isto não significa que os europeus o não desejem.
O problema do “não” francês é francês e europeu. Mas não pode deixar de ser mais francês que europeu. A Europa não tem que mudar para satisfazer os franceses. A Europa tem que evoluir para corresponder às expectativas dos europeus. E se os europeus estiverem interessados em trilhar caminhos que os franceses não aceitem, então a UE terá que confrontar os franceses com as suas opções. Se não o fizer, estará sempre sob ameaça do veto e do julgamento francês.
A Europa não é a França. E esta é uma altura fundamental para deixar isso bem claro. Mesdames et Messieurs, les portes sont toujours ouvertes.

sexta-feira, maio 06, 2005

“Demain ne sera pas comme hier, il sera nouveau et dépendra de nous”[1]


Aproximam-se as eleições autárquicas. É altura de discursos e promessas. De inaugurações e de sorrisos políticos (particularmente) abertos. Tempo de novas reivindicações (e de renovação das velhas), de autocolantes, electrodomésticos (terá sido verdade?) e bandeirinhas. Hora, muitas vezes, de perigosa descredibilização do sistema político.
Em contexto de profunda mudança do papel das autarquias (em que elas se podem ou não afirmar como promotores de desenvolvimento) e de fortes limitações orçamentais, é cada vez mais importante a definição, em conjunto com a população e os restantes actores de desenvolvimento regional, de prioridades de acção pública local. O que quer a população dos seus autarcas? Como ajustar as esferas públicas a um mundo em transformação, permitindo que a Administração seja ao mesmo tempo criativa e reconhecida? Qual é o nosso projecto colectivo? O que nos mobiliza? Estas são algumas das perguntas que eu gostaria de, pelo menos, ver consideradas e debatidas durante a próxima campanha eleitoral.
Para decidir o meu voto, vou procurar ideias e projectos para a região. Alguém que lance desafios à população e aos actores de desenvolvimento. Que perceba a importância da economia e a crescente competição (também, e cada vez mais, entre autarquias) na captação e manutenção de conhecimentos, talentos e investimentos. Alguém que associe estratégia e actores, públicos e privados, cooperativos e empresariais. Que diga o que quer fazer e com quem quer fazer. Que promova a participação dos actores, comprometendo-os e co-responsabilizando-os pelo futuro. Que perceba que a inteligência colectiva de uma região não se limita, longe disso, ao sector público. E que dessa percepção retire conclusões. Alguém que, no fundo, acredite, em permanência e sem hesitações, que o “amanhã não será como ontem, será novo e dependerá de nós”.

[1] Extracto de “Phénoménologie du temps et prospective” (Gaston Berger, 1964).

sexta-feira, abril 01, 2005

Quem vai pagar o aumento dos juros?


Toda a gente parece contente com a reforma do Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC) acordada pelos Ministros das Finanças da União Europeia (UE). É, de facto, motivo para sorrir. É como se, no final do ano, reuníssemos em Assembleia todas as pessoas que foram multadas nesse ano e tivéssemos o seguinte ponto único da agenda de trabalho: “perdoar ou não as multas de trânsito”. Não parece difícil adivinhar a decisão...
“Dava jeito” a quase todos os Governos mudar o PEC. E assim foi feito. E toda a gente está feliz da vida.
Toda a gente? Não, alguns irredutíveis e estranhos economistas continuam a dizer que a estabilidade das finanças públicas europeias não só é uma questão muito sensível a interesses políticos (nem todos são tão “nobres” como o nosso choque tecnológico; acreditem ou não, há quem espere ganhar mais facilmente eleições com esta renovada facilidade em gastar/investir...) como, acima de tudo, é uma base fundamental do crescimento económico.
A mensagem que passou sobre o PEC (“nós criámo-lo mas, afinal, é demasiado rígido para os gastos/investimentos que queremos/temos necessidade de fazer pelo que devemos flexibilizá-lo”) aumenta a pressão sobre as taxas de juro na zona euro (no sentido da sua subida, claro), tornando menos incisivo o compromisso do saneamento das contas públicas dos Estados-Membros da UE e deixando maior margem à indução pública do crescimento dos preços. Esta pressão inflacionista será combatida pelo Banco Central Europeu (BCE) com a subida das taxas de juro.
E quando, numa das suas próximas reuniões, o BCE subir as taxas de juro de referência, os muitos portugueses que compraram, com grande esforço, casa própria, devem enviar a “factura” aos senhores e às senhoras do BE e do PCP (por exemplo) que tanto atacaram esse monstro ignóbil chamado PEC. É que a moda foi, quase desde o início, atacar o PEC, culpabilizá-lo pela fraca performance económica e pelo aumento do desemprego, entre outras coisas más. Ninguém (ou muito poucos) disse para o que servia. Agora, infelizmente, vai-se perceber. E os portugueses com crédito à habitação vão ser dos primeiros.

sexta-feira, fevereiro 25, 2005

O PS ganhou. Viva o PS.


Uma das conclusões que retiro da difícil transição política que culminou com as eleições do passado domingo é a importância que teria a existência em Portugal de um verdadeiro Partido Liberal. Partido de grande tradição na Europa, é normalmente coligável com a esquerda e a direita moderadas, podendo “solucionar” problemas como os que enfrentaria o PS se não tivesse obtido a maioria absoluta e evitar a dramatização da necessidade dessa maioria - até porque não há nenhuma razão, antes pelo contrário, para governos de coligação não serem mais reformadores e exigentes para com a sua acção governativa, existindo, pelo menos em teoria, um maior controle sobre essa mesma acção. Adicionalmente, um Partido Liberal dificultaria o à vontade com que o Bloco de Esquerda se apresenta como o defensor de um conjunto de "causas de sociedade" (liberalização e utilização terapêutica das drogas, aborto, adopção de crianças por famílias não tradicionais, casamento entre homossexuais, aborto, eutanásia, etc.), estando, por outro lado, muito mais à vontade na área económica e nas possibilidades da Globalização, da internacionalização, da concorrência e outras facetas positivas da Economia de Mercado. Poderia, resumindo, ocupar um vazio significativo no espectro político português e tornar mais dinâmica e fluída a nossa vida democrática.
Mas centremo-nos na realidade dos votos de domingo.
O PCP cresceu, o que por si só é muito significativo. O novo líder passou no primeiro, e talvez mais difícil, teste. Assim, pela lógica, devemos ter Jerónimo de Sousa por mais uns 15/20 anos à frente do partido. É que ninguém parece acreditar que alguma vez Carlos Carvalhas conseguisse, nas mesmas circunstâncias, um resultado como este. E Carlos Carvalhas foi Secretário-Geral durante 12 anos...
O Bloco de Esquerda cresceu muito (apesar de continuar a ser a quinta força política). Confiante, Francisco Louçã celebrou o bom resultado em tom desafiador ao PS. O Bloco é, sem dúvida, um fenómeno muito interessante da nossa política. No entanto, curiosamente, parece-me beneficiar muito da referida ausência, em Portugal, de um Partido Liberal, captando muitos votos de pessoas que, no fundo, não partilham da desconfiança dos dirigentes bloquistas face à Economia de Mercado e à Globalização.
Jorge Sampaio também é um vencedor destas eleições Basta imaginar o que seria ter de convidar Santana Lopes, após tudo o que se passou, a formar novamente governo.
O PP perdeu. Paulo Portas foi lesto a assumir responsabilidades e demitiu-se, garantindo ir preparar uma “sucessão sossegada”. Ninguém acredita, no entanto, que ele fique “sossegado” (e ainda bem, pois demonstrou ser um político eficiente, profissional e mobilizador - para quem acredita, claro).
Santana Lopes foi o maior derrotado destas eleições. Nem vale a pena tentar explicar porquê (até porque, muito provavelmente, ele continuará a garantir a visibilidade dessas razões).
O PS ganhou. Viva o PS.

sexta-feira, fevereiro 04, 2005

Europa inquieta


A nossa princesa está inquieta. São várias as preocupações:


“Gordura”: longe vai o ano de 1957 em que 6 países, em Roma, assinaram o Tratado fundador. Hoje são 25, muito dispersos quer no que toca às matrizes culturais e económicas quer às ambições.


Referendos: o Tratado Constitucional aprovado em Junho de 2004 e assinado, com alguma nostalgia, em Roma em Outubro do mesmo ano, terá que ser ratificado pelos Estados-Membros (EM’s). E o “problema” é que alguns desses EM’s vão realizar referendos. No Reino Unido, por exemplo, onde o eurocepticismo tem sido regra. Na Dinamarca, por exemplo, que já recusou por uma vez o Tratado de Maastricht e por outra a Moeda Única. Na Polónia e na República Checa, por exemplo, cuja “alegria” pela entrada na União Europeia (UE) tem sido, no mínimo, contida (veja-se a votação maioritariamente contrária ao Tratado Constitucional protagonizada pelos eurodeputados checos e polacos no Parlamento Europeu no mês passado).

Parlamentos Nacionais: terão um papel no controle (efectivo ou teórico?) do princípio da subsidiariedade (i.e. da ideia de que a UE apenas intervém se fizer melhor que o país e que a região) mas não só não é clara a forma de intervenção efectiva no processo legislativo comunitário como, acima de tudo, não é clara a capacidade/disponibilidade dos referidos Parlamentos para tal acção (com algumas excepções vindas do Norte da Europa).


Política Externa: como ter uma voz no mundo quando múltiplos sussurros e interesses emergem no seio dos 25? Como o fazer com orçamentos reduzidos (quer a nível da União quer a nível nacional) na área da Segurança e Defesa?


Novo Quadro Financeiro: como contentar ricos cansados de pagar e com dificuldades económicas próprias, “pobres recorrentes” (Portugal, Espanha e Grécia) que querem continuar a receber e “novos pobres” (os que entraram em 2004) que têm legítimas expectativas de receber.


Pacto de Estabilidade e Crescimento: como articular clareza de regras, credibilidade e igualdade de tratamento com flexibilidade no encarar de cada situação específica?


Estratégia de Lisboa: como redefinir as utopias de liderança económica global assumidas em Lisboa em 2000 e cujo falhanço (até ao momento) foi reconhecido recentemente pela UE?


Turquia: vai entrar o futuro EM com mais votos no seio das instituições da UE?


É uma princesa inquieta que olha para estas e outras questões. Uma princesa com alguns quilos a mais, com receio dos votos (e das abstenções) populares, da acção (e da inacção) dos Parlamentos Nacionais, das diferenças que existem, no seu seio, em termos de visões do mundo, da escassez de dinheiro e do não cumprimento de regras (e da inadequação destas). Com receio das próprias utopias que criou e de um grande vizinho de matriz islâmica que lhe bate à porta, impaciente.

sexta-feira, janeiro 07, 2005

Europa, UE, CE, etc.


O futuro da União Europeia (UE) está, inquestionavelmente, no centro da discussão na actualidade. Ou melhor, poderia estar, não fora a “polémica” relativa à posição nas listas de candidatos às próximas eleições legislativas desta ou daquela figura da TV, o próximo programa na TVI de um “marchand” de arte e, sobretudo, o atraso na chegada a Portugal de uns senhores futebolistas brasileiros.
Voltando à Europa. Mas o que é, hoje, essa “coisa” a que chamamos “Europa”, “UE”, “CE”, etc.?
No concreto, a UE consiste numa intrincada rede de processos que resultam não só da vontade e da coordenação entre Estados-Membros (EM’s) que decidiram pôr em comum um conjunto de poderes, mas também da forma como esses Estados, coordenados e integrados no seio de instituições, interagem com a complexidade do mundo em que se situam.
É a partir desse “mundo que nos rodeia” e dessa “rede de processos” que faz sentido reflectir sobre o futuro da Europa. Não explorando, neste artigo, o “mundo que nos rodeia”, olhemos rapidamente para a “rede de processos”:
A União Económica e Monetária (UEM) está no centro do processo de integração. Do Euro muito depende, sendo o sucesso da UEM condição necessária a renovadas ambições integracionistas. E de mão dada com a UEM está (ou, pelo menos, tem estado) a “exigência” de rigor orçamental com que se deparam os EM’s da zona Euro. Estando os EM’s com os tostões contadinhos, é fácil de entender o impulso para a reforma das Políticas Comuns da UE (nomeadamente da PAC e da Política Regional).
No ano que findou assistimos, confortavelmente sentados, ao grande alargamento da UE a Leste, acontecimento que também contribuiu para o tal “impulso reformador” que referi. De facto, se o dinheiro já é pouco para uma “família” de 15, imagine-se a chegada de 10 “primos” bastante esfomeados para jantar.
A reforma das Políticas Comuns (nomeadamente da PAC) condiciona a maior ou menor facilidade de implementação, pela UE, de uma Política Comercial e de Cooperação coordenada com os objectivos e as acções da Política Externa e de Segurança Comum/Política Comum de Segurança e Defesa (PESC/PCSD) e, mesmo, a consolidação e o sucesso da UEM.
Com o processo de alargamento da UE a Leste, a PESC/PCSD tem não só a possibilidade de sair reforçada com a adesão de novos Estados estrategicamente muito importantes, como vê realçada a sua relação com a NATO (dado que Polónia, Rep. Checa, Hungria, Estónia, Letónia, Lituânia, Eslováquia, Eslovénia, Bulgária e Roménia são já membros da NATO). No entanto, não deixam de ser bastantes mais “cabeças” e “sentenças”, i.e. os novos EM’s implicam igualmente uma maior diversidade de orientações estratégicas de base no seio da PESC/PCSD, podendo criar ainda maiores dificuldades na obtenção de consensos nestas matérias de elevada sensibilidade nacional.
Outro processo (ou conjunto de processos) intimamente ligado ao alargamento da UE a Leste é o da Justiça e Assuntos Internos (JAI), assumindo questões como o direito de asilo, a integração dos imigrantes e a gestão dos respectivos fluxos, o estatuto dos refugiados, a cooperação judicial e policial, o controlo da fronteira externa da UE, etc., particular importância no contexto do Alargamento. A mensagem, por vezes, parece ser: “Venham, mas venham aos poucos e, se não se importarem, contribuam para a nossa segurança social sem esperarem demasiado em troca.”
A todos estes processos está ligada a reforma das instituições sendo que, do rumo dessa reforma e da sua flexibilidade no que toca à harmonização de interesses amiúde contraditórios está dependente muita da capacidade da UE gerir a complexidade da “rede” apresentada. No entanto, por muito boa que seja a forma da decisão, sem crescimento económico (i.e. sem dinheiro) e com interesses nacionais muito díspares pressionados por ambições integracionistas, as tensões entre EM’s tenderão a ser cada vez mais frequentes.
Mas, se calhar, estas questões “tão longínquas” não nos devem fazer perder muito tempo. Inquieta-me bastante se o Dr. Monteiro é ou não amigo do Dr. Rio, se o reencontro entre o “marchand” e a sua esposa correu bem e, sobretudo, se o Leandro tem mesmo um forte remate de pé esquerdo.