sexta-feira, novembro 02, 2007

Seis olhares sobre o mundo

É em tempo de novo tratado na União Europeia (o de Lisboa) e de grandes cimeiras, que apetece olhar um bocadinho para fora, para o que se passa fora dos ambientes cristalizados do Pavilhão Atlântico (onde tiveram lugar as últimas negociações para acertar os termos do futuro Tratado de Lisboa) ou do Convento de Mafra (onde Puttin, Sócrates, Barroso, Solana e outros se encontraram).

1) A Turquia, eterno candidato à entrada na UE, enfrenta um enorme dilema. Entrar ou não em território iraquiano para combater o PKK (força militar que luta por um Curdistão independente) correndo o risco de destabilizar ainda mais o frágil (des)equilíbrio iraquiano. E os vizinhos turcos também enfrentam um grande dilema: apoiar ou criticar (ou olhar para o lado) a agressividade turca, sabendo eles que um recrudescer da luta por um Curdistão independente está longe de afectar apenas a Turquia. Esse Curdistão potencial incluiria parte da Turquia, parte do Iraque, parte da Síria e parte do Irão. Compreensivelmente, a presidência portuguesa da UE espera que este problema, a “arrebentar” (e outros, como o Kosovo), o faça lá para 2008.

2) O “ex-futuro Presidente dos EUA” Al Gore ganhou o Nobel da Paz, colocando as alterações climáticas ainda mais no centro da discussão global. Por muito que se diga (e é verdade) que uma nova revolução produtiva “limpa” (novas fontes energéticas; novas formas de mobilidade; novos materiais, etc.) comporta renovadas oportunidades de crescimento económico, não deixa também de ser verdade que a “baleia” chinesa consome hidrocarbonetos em excesso e polui em excesso. E quando estas jovens baleias se agitam, principalmente a chinesa mas também a indiana, os mercados agitam-se (por exemplo o das matérias‑primas, mas não só). E ambas estão em processo de crescimento muito acelerado, estão a urbanizar, estão a motorizar, estão a industrializar. São muitos milhões de pessoas envolvidas nestes processos, os quais são a base das emissões de CO2 para a atmosfera e a base da mão humana no que concerne às alterações climáticas. Neste âmbito a UE parece liderar o esforço global. Só falta, agora, o mais difícil: explicar à jovem e impulsiva “baleia” chinesa a necessidade de controlar as emissões de CO2 e os consumos de hidrocarbonetos e aos EUA a necessidade de metas obrigatórias individuais no que toca às emissões.

3) O nuclear, muitos anos depois das primeiras bombas e da contagem de ogivas entre blocos característica da Guerra Fria, continua a agitar a cena internacional. Depois da falsa ameaça iraquiana e do adormecimento da Coreia do Norte, o Irão está agora no centro da agenda e a Síria é encarada cada vez mais como suspeita de estar a desenvolver projectos nucleares em segredo. A suspeita sobre a Síria avolumou-se depois do segredo cúmplice após a ‘Operação Orquídea’ realizada por caças israelitas em território sírio. O que é que estes caças atingiram (ou queriam atingir) é que ninguém quis revelar, fazendo lembrar raides semelhantes realizados pelos israelitas contra instalações eventualmente ligadas com projectos nucleares no Iraque de Saddam Hussein.

4) Finalmente, os mercados financeiros estão desconfiados, inquietos. As grandes vantagens da sua integração e globalização também mostram o reverso da medalha quando o risco se espalha, sim, mas também perde adesão à realidade. A sensação de que todo o risco podia ser diluído no mercado desvaneceu-se a partir do momento em que, simplesmente, o mercado deixou de o comprar. Foi assim que um problema localizado de insolvência de clientes de crédito hipotecário de alto risco nos EUA se globalizou rapidamente, fazendo algumas das suas principais vítimas na Europa, como foi o caso do BNP Paribas (falência de fundos de investimento) e do Northern Rock britânico (numa decisão extrema, o Banco Central inglês teve que abrir uma grande linha de crédito destinada a este Banco e garantir as poupanças dos clientes na tentativa de evitar uma crise ainda maior). Isto apesar de uma reacção energética quer da Reserva Federal dos EUA quer do Banco Central Europeu.

5) A boa notícia é que este “susto” evitou mais uma subida das taxas de juro na zona euro. Resta saber se se trata do fim do ciclo de subidas ou se, o que me parece mais provável, é apenas uma interrupção temporária desta tendência. Neste capítulo, veremos ainda o resultado de uma das muitas discussões lançadas pelo imparável presidente francês Sarkozy: a da independência do BCE, encarregue de limitar pressões inflacionistas e não de gerir ciclos de crescimento/recessão económica na zona euro. Além disso o euro nunca esteve tão forte face ao dólar o que, já se sabe, é bom para quem compra ao exterior mas prejudica quem tenta vender. É, neste caso, duplamente bom para as grandes multinacionais americanas que vendem em dólares e consolidam os seus resultados globais em dólares. Quem, a partir de Portugal, tentar competir globalmente enfrenta um triplo constrangimento macroeconómico: taxas de juro a crescer, euro forte, fiscalidade elevada.

6) Resta saber se as águas tradicionalmente mais cálidas do mercado interno (imobiliário/construção, sector financeiro, distribuição, sectores infra‑estruturais, telecomunicações, etc.) continuarão a ser um bom refúgio para os capitais portugueses tendo em conta uma procura potencialmente mais acanhada, crédito mais restrito e, claro, cada vez menos barreiras à entrada. Neste contexto, uma particular atenção à sustentabilidade dos preços do imobiliário, refúgio para o investimento e a poupança na Ibéria, é crucial para o futuro próximo da economia portuguesa. E os sinais vindos do nosso vizinho do lado são preocupantes, prevendo-se uma desaceleração do crescimento económico espanhol associada a uma desaceleração do imobiliário (isto em contexto pré-eleitoral). Nos EUA, só para dar um exemplo, a crise no sector do imobiliário é já uma realidade. Curiosamente, na minha perspectiva, o futuro do país até pode beneficiar, a médio/longo prazo, de um pequeno crash imobiliário/construção se esta for a única forma de agitar carteiras e consciências, tornando mais competitivos investimentos de maior valor acrescentado, mais exigentes ao nível do conhecimento e da inovação e transaccionáveis internacionalmente. Enquanto as taxas de retorno do imobiliário/construção/turismo forem muito elevadas, o que significa capital de risco em Portugal?

1 comentário:

Unknown disse...

Desejo um bom Natal ao autor do blogue e a todos os seus leitores.

José Carreira

(www.cegueiralusa.com)