sexta-feira, agosto 02, 2002

A estranha esquizofrenia de “nuestros hermanos”


A Espanha tem sido um aliado de Portugal na maior parte das negociações com a União Europeia (UE), especialmente no que toca aos fundos comunitários que de forma tão visível entraram nos países peninsulares durante as últimas décadas. Compreensivelmente, Portugal teve tendência para aproveitar este relativo conforto de saber que tinha a seu lado um Estado com potencialidades de se tornar, à medida do acelerar do crescimento económico e da força estratégica, um dos “grandes” da UE. Só que este “conforto”, esta espécie de ombro amigo em que a diplomacia portuguesa em Bruxelas e Estrasburgo tende a repousar, tem revelado, aqui e ali, algumas posições dissonantes com a pacatez de uma certa ideia da Ibéria unida (por objectivos) e solidária.

De facto, a Espanha é, já hoje, um actor muito influente no “palco” europeu. No entanto, a sua acção é, por vezes, marcada pelo carácter algo “esquizofrénico” das suas posições, ao ambicionar, simultaneamente, fazer rapidamente parte do grupo dos “grandes” e protelar o mais possível a sua tradicional posição de “país da coesão” receptor de fundos. Face a esta renovada imprevisibilidade de “nuestros hermanos”, as posições portuguesas parecem eivadas de uma certa perplexidade. A Espanha país de coesão interessa-nos, obviamente. Acalma-nos. Constitui-se como um aliado na cada vez mais complicada “luta” pelos fundos comunitários, na afirmação da argumentação de que a UE é, acima de tudo, um exercício colectivo de solidariedade e estabilidade europeias. A Espanha que quer ser grande nos votos, a Espanha das negociações do Tratado de Nice, assusta-nos profundamente. O nosso calmo aliado nestas coisas da Europa, “de repente”, quer mais votos no Conselho, quer maior peso para o critério demográfico e assume, aparentemente em definitivo, um lugar entre os “grandes” (Alemanha, França, Reino Unido, Itália e Espanha), líderes e definidores “naturais” dos rumos do processo de integração.
É com esta “nova” Espanha em transição que Portugal tem de lidar. Uma Espanha cada vez menos pobre e defensora da coesão (embora “Madrid”, o centro, continue a necessitar dos fundos para financiar uma parte das transferências para as regiões menos desenvolvidas do território espanhol) e cada vez mais líder e parte fundamental do “núcleo duro” que tanto assusta os “pequenos” Estados-membros (EM’s) da UE mas que tendencialmente se afirmará numa UE com 25, 27 ou mais países. É uma Espanha que ambiciona ser uma potência europeia e atlântica, que investiu maciçamente na América Latina e que se apercebeu que o seu maior activo externo pode vir a ser a comunidade hispânica nos EUA e que as telecomunicações e a internet tornam essa comunidade acessível aos serviços e conteúdos espanhóis.

É esta Espanha, simultaneamente potencial centro de gravidade da UE e da América Latina que nos confunde. É esta Espanha, ainda hoje dotada de uma estranha esquizofrenia nos fóruns europeus que nos deixa perplexos.

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