Em casa da minha família sempre se recebeu (e ainda se recebe) o Jornal da Beira, periódico de matriz católica profundamente enraizado na nossa região. Habituei-me a olhar para as suas notícias imaginando, intimamente, os respectivos redactores e tentando compreender a forma como a religiosidade se funde com a análise jornalística, moldando-a e dando-lhe contornos profundamente místicos. Para os mais cinéfilos, diria que é quase uma visão transformadora da realidade em “imagens” que a simbolizam, semelhante ao imaginário criado, ao longo dos seus filmes, por David Lynch. Mas isto é apenas um pequeno aparte, motivado pela óptima sensação que é poder escrever estas linhas sabendo que as minhas limitações são “só” de cariz racional, cultural e intuitivo...
Numa altura em que a Igreja Católica, conscientemente, tenta preparar a sucessão de João Paulo II (o qual, embora ainda dotado de enorme lucidez, está cada vez mais débil fisicamente), a instituição em causa tem sofrido grandes críticas (particularmente nos EUA) derivadas do sucessivo envolvimento de alguns membros seus (em diferentes posições da hierarquia) em casos de pedofilia. Pode estar, assim, criado um “caldo” que faz com que esta instituição, o mais forte e organizado dos ramos judaico‑cristãos que moldaram grande parte do mundo contemporâneo, sofra renovadas turbulências aquando da referida sucessão.
Se o próximo Papa for alguém representativo da parte crescente da cristandade situada no “Sul” do planeta, mais tradicionalista e conservadora, é possível um acelerar do clima de crispação no “Norte”, baseado em “bandeiras” como o fim do celibato dos padres e a ordenação de mulheres. Um eventual descontentamento surgiria (como já surge, aliás, a espaços) provavelmente dos EUA e da Alemanha, curiosamente (por não serem países de maioria católica) os dois principais contribuintes financeiros do Vaticano. De referir que uma futura postura conservadora indiciadora da ruptura em causa pode também estar presente em candidatos como o actual arcebispo de Milão, Dionigi Tettamanzi.
Se o sucessor for alguém representativo do “Norte” e a Igreja Católica enveredar pela senda de reformas mais ou menos profundas mas significativas, as dificuldades também se farão sentir, sobretudo ao nível da adaptação do meio local (sustentáculo da acção global da Igreja) mais conservador.
Isto (sucessão e divisão interna face a algumas questões estruturantes), associado à difícil conjuntura internacional do pós-11 de Setembro, ao eternizar do conflito Israelo‑palestino (onde a Igreja tem tido tendência a tomar posições pró‑Palestinianas), ao clima de pré‑ataque ao Iraque e à força do lobbie judaico na administração da hiperpotência, pode potenciar uma crise assinalável, de consequências dificilmente antecipáveis, num dos referenciais da civilização ocidental.
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