sexta-feira, outubro 25, 2002

Europa: feliz complexidade

Em artigos anteriores tenho chamado a atenção para a grande complexidade não só das interpenetrações entre os processos em curso na União Europeia (UE) mas também entre as preferências estruturais dos Estados-Membros (EM’s) (ou, num sentido mais abrangente, dos actores estratégicos) e entre os meios à disposição destes últimos para o “jogo” de poder inerente à actual fase da integração europeia. Ao mesmo tempo, tenho referido a particular indefinição que a conjuntura actual comporta, a qual se torna ainda mais visível em consequência não só da já muito discutida falta de liderança a nível europeu (de facto, longe parecem ir os tempos da dupla Kohl‑Mitterand e da Comissão Delors), mas sobretudo do facto de aparentemente não existirem, na actualidade, blocos estáveis de Estados mais influentes que funcionem como coesivos do todo e definidores da orientação geral da União. Mas nem tudo são “nuvens negras”. As diferenças de interesses entre as posições dos EM’s da UE também não parecem ser de natureza a impossibilitar, a priori, a obtenção de compromissos. Aliás, mais do que possíveis, esses compromissos parecem ser, de facto, necessários, surgindo aí um complexo “jogo” de possíveis “compensações” entre as múltiplas e frequentemente díspares preferências dos actores, parecendo estar em aberto um largo espectro de evoluções possíveis para o processo de integração europeia (tenho especulado sobre algumas delas nesta coluna). De facto, mesmo as medidas tomadas na última década (como, por exemplo, as que conduziram à União Económica e Monetária e ao euro) parecem mostrar que, apesar das referidas dificuldades, todas as opções estão, ainda, “em cima da mesa”.
Utilizando a terminologia clássica da teoria da Estratégia, o sistema europeu pode, na actualidade, considerar-se como multipolar, possuindo uma regra de equilíbrio que consiste basicamente na percepção de que a actuação de cada actor tem sempre em mente a oposição a qualquer coligação (que não o inclua, obviamente) ou a um actor isolado particularmente poderoso que tenda a assumir uma posição de predominância em relação ao resto do sistema, desequilibrando-o. Num sistema deste tipo muitas das alianças tenderão a ser específicas (às questões e aos processos em causa) e de curta/média duração.
Este contexto e a incerteza de rumo a ele associada confere ainda maior importância às idiossincrasias dos actores e a eventuais alterações das suas filosofias de actuação, ou seja, na minha perspectiva, as evoluções dependerão sobremaneira dos posicionamentos dos principais actores em “jogo” (e de eventuais alterações nesses posicionamentos). De referir, para terminar, que sou daqueles que acreditam que o processo de integração europeia não tem (felizmente) um destino preestabelecido (por muito que alguns o estabeleçam e/ou o desejem) e que o seu ritmo e direcção resultam não só de uma complexa negociação entre governos nacionais, mas também, embora de forma ainda marcadamente indirecta, entre outros actores infra e supra-estatais como as regiões ou os grandes grupos empresariais. Digo felizmente, assumindo claramente uma duplicidade composta de liberdade e de responsabilidade, acreditando que cabe a cada geração viver numa Europa por si moldada e não apenas pelas linhas de força da História.

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