sexta-feira, novembro 01, 2002

11/9


Ao deitar um olhar rápido para o conjunto de textos publicado nesta coluna ao longo deste ano, noto com curiosidade a quase inexistência de referências directas à série de acontecimentos simbolizados mediaticamente pelos ataques às torres gémeas de Nova Iorque no dia 11 de Setembro de 2001 (11/9). Abordá-los-ei aqui, muito sucintamente, com o foco em algumas das alterações que a citada série de eventos trouxe para o sistema mundial.
Em abstracto, se olharmos de longe (sentados confortavelmente no planeta Marte, por exemplo), podemos afirmar que pouco ou nada terá mudado. O sistema continua unipolar (ou unimultipolar, para satisfazer os mais rigorosos destas coisas da Estratégia), com uma potência hegemónica “encarregue”, dada a sua supremacia económica e militar, de “gerir” um mundo conturbado, o que lhe traz, na minha perspectiva, grandes vantagens e grandes inconvenientes. Grandes vantagens basicamente pelo conjunto de regras que tem capacidade para impor (e.g. a noção de ataque preventivo) e/ou não se sujeitar (e.g. o Tratado Anti‑Mísseis Balísticos). Grandes inconvenientes ligados não só ao desgaste político, militar e económico que o actual sistema comporta para os EUA (é obviamente a este actor que me refiro) mas sobretudo à sua sujeição àquilo que eu chamaria “crítica por inacção” e à impossibilidade (ou, pelo menos, grande dificuldade) de se situar, mesmo que ocasionalmente, na posição de free‑rider estratégico, simultaneamente apanágio e estigma da hegemonia.
Se aterrarmos na Terra, contudo, não parece ser difícil intuir que o sistema internacional parece ter mudado no espaço de pouco mais de um ano, quanto mais não seja porque mudaram os principais actores (os EUA estão diferentes, a Rússia está diferente, a Índia está diferente, etc., etc.) e, sincopadamente, mudou a percepção que a Humanidade faz do mundo em que vive, a “nossa” perplexidade perante o sistema.
A Europa está mais só (e, espera-se, mais responsável), longe dos “velhos tempos” da Guerra Fria em que os EUA a geriam e acarinhavam como um bebé frágil e precioso. Hoje, os EUA (os tais “senhores” poderosos com muito trabalho para fazer), têm outras paragens com que se preocupar, sendo que os equilíbrios geoestratégicos são cada vez mais definidos bem longe do “velho continente” (na Ásia, por exemplo).
Surgiu a noção de terrorismo global, simbolizado pela Al Qaeda, estranha, maniqueísta, etérea e, eu sei que soa estranho, mediática (parece que houve uma lista de estudantes em Viseu que usou uma fotografia do Sr. bin Laden como veículo promocional) organização tentacular que, utilizando uma certa interpretação do Islão como arma e fonte de legitimidade, se apresenta sobretudo como movimento político radical e unificador.
A Rússia aproximou-se dos EUA formando-se uma complementaridade estratégica entre estes dois actores baseada sobretudo nos hidrocarbonetos (petróleo e gás natural) mas também, por exemplo, no crescente investimento privado norte‑americano na Rússia, na aproximação Rússia-NATO, na “contenção” da China e no combate ao fundamentalismo islâmico e à já citada rede Al Qaeda.
Estes constituem apenas alguns exemplos de transformações estratégicas que se acentuaram a partir do 11/9 e, se é verdade, como dizia Camões, que “todo o mundo é composto de mudança”, parece que desta vez, ao contrário do que dizia a canção, é esse mesmo mundo que nos anda a trocar as voltas...

Sem comentários: