sexta-feira, novembro 15, 2002

Debate sobre o futuro dos egoísmos europeus

Não deixa de ser curioso que aquilo a que normalmente se chama “Debate sobre o futuro da Europa” (e que engloba inúmeras tomadas de posição de líderes e entidades europeias) tem sido (e continuará seguramente a ser até à Cimeira de Berlim de 2004) sobretudo um debate sobre o futuro enquadramento institucional da União Europeia (UE). Este facto, compreensível dada a necessidade de se definir claramente a nova estrutura em que, com o alargamento no horizonte próximo, se irão mover os principais actores da “cena” europeia, sugere, no entanto, a existência de um perigo real de desvio do foco para questões que embora sejam indubitavelmente essenciais, não deixam se ser fundamentalmente técnicas, deixando‑se para “mais tarde” o debate substancial (e bem mais difícil) sobre as grandes questões definidoras da UE como projecto (exs.: Justiça e Assuntos Internos (JAI), orçamento comunitário, Política Externa e de Segurança Comum (PESC), Defesa,...).
A preocupação com a sensibilidade nacional à forma do “regimento europeu” e o “peso” atribuído à respectiva discussão (vários analistas referiram, por exemplo, que a Cimeira de Laeken apenas terá marcado o início de muitos anos de análise e discussão destas matérias) dificilmente poderá deixar de ser um sinal da permanência (ou mesmo do agudizar) dos interesses divergentes dos Estados relativamente ao processo de integração na Europa, esteja esse interesse virado para a intergovernamentalidade, esteja ele inclinado para o modelo federal (o que, mais uma vez, não deixa de ser curioso). A este respeito, são também elucidativas as palavras de Seixas da Costa, ex‑Secretário de Estado dos Assuntos Europeus e actual embaixador junto da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE), que, em entrevista, sublinhou a importância de Portugal apoiar a manutenção/reforço dos poderes da Comissão Europeia, justificando esta opção como uma consequência indirecta das posições cépticas dos “grandes” Estados‑membros (EM’s) da UE face à referida Comissão. É, no fundo, a ideia de que o melhor modelo para uma certa ideia de Europa é, necessariamente, o modelo teórico que garante e potencia a defesa dos interesses de todos os EM’s. É a ideia de que, à boa maneira da “mão invisível” de Adam Smith, a persecução dos interesses egoístas das entidades individuais (neste caso, os EM’s da UE) continuará a contribuir para o “bem abstracto” do conjunto (neste caso, a UE). O problema é se a natureza do processo de integração europeia evoluir para as cercanias do conceito de bem público, não “regulável” por esta amálgama de egoísmos estatais e correndo o risco de deixar de por ela ser “produzido” e colocado à disposição dos cidadãos europeus.

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