sexta-feira, novembro 22, 2002

Chipre


Já por várias vezes aproveitei esta coluna para falar da situação de uma ilha “perdida” no Mediterrâneo que, por vicissitudes da política e da história, anda cada vez mais nas “bocas do mundo”: Chipre.
Dividida entre comunidades grega e turca desde 1974, ano da ocupação turca do Norte da ilha (onde foi criada a República Turca do Norte de Chipre – apenas reconhecida por Ancara), Chipre tem constituído ao longo dos tempos um incomodativo e persistente “grão de areia” na engrenagem europeia. Na primeira linha do alargamento da União Europeia (UE) a Leste (que deverá ter lugar em meados de 2004), parece ter chegado a “hora da verdade”, se me é permitida a expressão, não só para cipriotas gregos e turcos, como também para as relações entre a Grécia e a Turquia e para a percepção da capacidade de influência da UE como espaço de atractividade (capaz até de proporcionar soluções políticas pacíficas e estáveis entre gregos e turcos).
A Organização das Nações Unidas (ONU), fortalecida pela relativa “cautela” norte‑americana no Iraque (uma espécie de unilateralismo soft), possui igualmente uma importante palavra a dizer em Chipre (até porque são suas as forças que desde há muito separam as duas partes desavindas), tendo o seu Secretário-Geral, Kofi Annan, avançado com uma possível solução do “tipo Suíça”, com a transformação de Chipre (após referendos a Norte e a Sul) num Estado federal (com uma Política Externa única) composto por dois cantões com Constituições próprias.
Mas não é apenas a Suíça que serve de modelo. Por exemplo, os acordos de cooperação entre flamengos e valões que permitem a optimização da coordenação das diferentes políticas na Bélgica são um outro tipo de instrumento que a ONU diz ser de grande utilidade para o futuro de um Chipre federal.
A ONU aproveita também, neste momento de aperto em que o “relógio” da UE não pára relativamente a Chipre, para incluir no seu modelo múltiplas formas de imbricação entre comunidades, avançando com as propostas de um Conselho Presidencial composto por 10 membros em que a Presidência e a Vice-presidência seriam rotativas entre comunidades, de imposição dos Ministros para os Assuntos Europeus e dos Negócios Estrangeiros serem de cantões diferentes e, mesmo, de uma fórmula provisória (3 anos) de co‑presidência entre os líderes das duas comunidades. E esta espécie de “equilibrismo no arame” da ONU continua no sistema judicial, na criação de uma Comissão de Reconciliação (à la África do Sul), na redução das tropas gregas e turcas estacionadas na ilha, etc.
Encontramos assim, no Mediterrâneo Oriental, uma pequena ilha dividida e cheia de militares que “quer ser” a Suíça, tentando ir cooperando como os belgas e controlando ódios antigos como a República da África do Sul. Isto tudo, claro está, ao mesmo tempo que entra para a UE. E pensávamos nós, pequeno país na ponta Ocidental da Europa, que a nossa vida ia ser complicada nos próximos tempos...

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