sexta-feira, dezembro 26, 2014

Economia Portuguesa: os últimos 70 anos num minuto

Até aos anos 50, a economia portuguesa caracterizava-se por um acentuado ruralismo e pelo foco na auto-suficiência alimentar, a par da proteção da produção nacional. De 1950 a 1973, Portugal apresenta sinais de crescimento económico, embora persistam a pobreza e as desigualdades sociais. As tentativas de industrialização são condicionadas e existem fortes restrições ao investimento. O país “urbaniza-se” e “industrializa-se”. Os anos pós-crise petrolífera e pós-25 de Abril foram marcados por forte instabilidade. Viveram-se duas crises económicas particularmente fortes em Portugal, as quais levaram a intervenções do Fundo Monetário Internacional. A primeira ocorreu em 1977. A segunda em 1983. A partir de meados dos anos 80 entramos na chamada “fase europeia”. O crescimento económico é fortemente apoiado nos fundos comunitários. No início dos anos 90, no contexto do colapso do Sistema Monetário Europeu, a situação económica em Portugal deteriora-se rapidamente e o país entra em recessão. Dois movimentos estruturais marcam a segunda metade da década de 90: a consolidação de um polo de exportações industriais essencialmente baseado em investimento estrangeiro; e um intenso investimento e modernização dos sectores infra-estruturais (telecomunicações, audiovisual, gás, eletricidade, auto-estradas, água e ambiente). A partir de 2001, a economia portuguesa oscila entre a recessão e a estagnação, em contexto de adesão ao euro e de globalização. A partir de 2008 acentuou-se a crise económica internacional. Algumas economias da zona euro viram-se na necessidade de recorrer a ajuda externa para se financiarem. Em 2010/11 foram formalizados os pedidos de resgate financeiro.

sexta-feira, novembro 28, 2014

Um tempo serenamente disléxico

Encontrei um livro de Murakami lá em casa e adotei-o. Leio-o devagar, ao mesmo tempo que leio outras coisas. As ideias e os acontecimentos que descreve vão interferindo com os meus pensamentos e dia-a-dia. É como se o dia-a-dia descrito por Murakami nesse mundo possível de 1Q84 contaminasse o meu, lentamente. Acho que estou perante uma obra-prima. As disrupções temporais que explora, as distorções do possível que evoca, transformam o ano de 1984 no ano de 1Q84. De alguma forma, trata-se de um processo idêntico ao que utilizamos quando, através do encontro entre a grande mas falível capacidade cerebral que possuímos e os acontecimentos, interpretamos o real (e formamos convicções; e tomamos decisões). Esta espécie de dislexia do tempo e do possível é consumidora de energia, particularmente numa sociedade da informação em grande aceleração a que se tende a responder com inércia (não confundir com tolerância) ou com sobre-simplificação (não confundir com clareza). Como orientação, só me consigo lembrar de um caminho no sentido: • da consideração aberta do possível (combatendo fatalismos); • do reconhecimento da incerteza (a partir do conhecimento e não da ignorância); • da capacidade de reconhecer padrões (e limitações) pessoais de interpretação e de decisão; • e da escolha, em liberdade, de mediadores (Quem ler? Quem ouvir? Quem escolher para nos informar? Quem acompanhar? A que comunidades pertencer?).

sexta-feira, outubro 31, 2014

Um segundo depois, uma fotografia de uma ferida

(1) Gosto de imaginar que todas as fotografias do mundo (cujo objeto são pessoas que sabem que estão a ser fotografadas) sofriam um atraso de 1 segundo. Ao serem apanhadas 1 segundo depois do previsto, o mais provável é a pessoa fotografada estar a dar um passo em frente (em direção ao fotógrafo). O registo deste passo (em vez do registo da encenação) poderia fazer toda a diferença: tornar a fotografia dinâmica, genuína, real. Dar-lhe um futuro. (2) Estava com a minha filha mais velha (que mesmo assim é muito nova) a ver fotografias da família. Eu perguntava-lhe “onde está a mamã?”, “onde está a vovó?”, “onde está a mana?”, etc. Quando apareceu uma fotografia minha e lhe perguntei “onde está o papá?”, ela parou por um momento, poisou a fotografia e apontou para mim (para mim mesmo, não para a minha representação fotográfica). Por momentos, os meus 40 e poucos anos de aculturação quase me levavam a corrigi-la. (3) Uma ferida serve, pelo menos, para duas coisas: como ponto de partida para a reconstrução de memórias; como testemunha da extraordinária capacidade de regeneração do corpo (extraordinária mas limitada).

sexta-feira, outubro 03, 2014

Persistência e mutabilidade

No quarto e quinto séculos a.C. os debates filosóficos aumentaram de intensidade, aprofundando-se a reflexão metafísica e a procura da autoconsciência. Heráclito, Parménides, Sócrates, Platão e Aristóteles estão entre aqueles que protagonizaram algumas das primeiras discussões entre estruturas filosóficas antagónicas, encetando diálogos que, em alguns aspectos, podem ser transportados até à era atual. O pensamento de Heráclito e Parménides, por exemplo, permite-nos imaginar um diálogo bastante vivo. Heráclito (aprox. 535 a.C. - 475 a.C.) via o mundo como um conjunto de sistemas de fluxos, mutáveis e emergentes. A incerteza e as diferentes possibilidades faziam parte da sua visão do mundo. Por outro lado, Parménides (530 a.C. — 460 a.C.) defendeu o caráter permanente, imutável, da realidade, muito inspirado pelo alfabeto que favoreceu o domínio da percepção visual, valorizando o universal, o abstrato e o estático, em detrimento do fluido e o particular. Heráclito preocupou-se sobretudo com o processo, orientado pela indeterminação, fluxo, interpenetração, em mudança incessante. Em contraste, quadros teóricos positivistas como os de Karl Marx e Adam Smith (e Parménides) acreditavam na presença de forças persistentes (e invisíveis) subjacentes e definidoras do mundo real. Parménides e a permanência, as causas profundas que marcaram o passado e marcarão o futuro. Heráclito e a incerteza emergente, a impossibilidade da previsão, a certeza de que, por muita análise que se faça, seremos sempre surpreendidos.

sexta-feira, setembro 05, 2014

O PIB e a tartaruga

O PIB – Produto Interno Bruto é a “pop star” dos indicadores económicos. Amado por muitos, temido por outros tantos, todos já ouviram falar dele e, no fundo, no fundo, sabem que não o podem ignorar. Todos sabemos que o PIB não é perfeito mas, não obstante a procura de alternativas (em Portugal, ver, por exemplo, o Índice de Bem-Estar do INE), o crescimento do PIB continua a ser a grande ambição da política pública, o critério central que, apesar das suas limitações, “habita” a cabeça dos decisores e molda as suas decisões. Não é o único critério, claro. Sustentabilidade ambiental, emprego, saúde, equidade na distribuição de riqueza, entre outros, também entram na equação. Mas o PIB é o PIB. A evolução deste indicador sustenta ou derruba governos, cria ou destrói o sentimento de otimismo face ao futuro, permite ou dificulta a facilidade de crédito internacional do Estado. Mas o que é, afinal, o PIB? O PIB representa a soma (em valores monetários) de todos os bens e serviços finais produzidos num espaço geográfico definido, durante um determinado período (o mais comum é o ano). E como tem sido a sua evolução em Portugal? Olhemos apenas para o século XXI. Em resumo, podemos dizer que a evolução do PIB foi… muito má. Isto equivale, em números, a um PIB que passou de 152,2 mil milhões de Euros em 2000 para 153,5 mil milhões em 2013 (valor preliminar; PIB a preços de 2006), o que corresponde a uma Taxa Composta de Crescimento Anual de 0.1%. Ou seja, na prática, e olhando de forma estrita para o PIB, quase que poderíamos dizer que “estamos na mesma”. Só que a coisa não é bem assim. Primeiro, a estabilidade económica “exige” (pelo menos por enquanto) crescimento económico. Crescer menos de 1% ao ano é dificilmente sustentável a longo prazo, sendo insuficiente para melhorar significativamente as taxas de emprego. Segundo, a referida taxa esconde anos particularmente complicados, como 2003, bem como o período mais difícil de todos que se tem vindo a prolongar, quase ininterruptamente, desde 2008. Terceiro, o desempenho económico de Portugal foi significativamente inferior à média da UE, sendo que a própria UE teve uma performance económica muito aquém quer dos grandes asiáticos emergentes quer, por exemplo, dos EUA. Ou seja, estamos a perder uma corrida contra uma tartaruga idosa e já bastante cansada (e não contra um carro de corrida).

sexta-feira, agosto 08, 2014

Tem potencial?

Fala-se muito em “potencial”, em “ter potencial”. Ideias, pessoas, regiões, cidades, países, sectores de atividade, etc., são avaliados como “tendo potencial” (ou como lhe faltando o mesmo). Mas o que é, afinal, ter potencial? Ter potencial é uma projeção do objeto da avaliação num futuro possível entendido, sob um determinado ponto de vista, como positivo (este ponto de vista pode ser individual, organizacional, nacional, mas também ambiental, económico, tecnológico, etc.). Parte-se do passado e do presente e, com base em informação e evidências (evidence), projeta-se estas evidências no futuro, augurando-se “potencial” a algo. O que é, então, necessário para ter potencial? Parece-me haver três condições: 1 – A existência de características distintivas na relação que é estabelecida com o contexto. Ter potencial é uma medida de relação. Nada nem ninguém tem potencial isolado. O potencial vem da relação com o outro, com o que não se controla, com o que não depende de “nós” (chamem-lhe contexto estratégico, mercado, ou outra coisa qualquer). O potencial vem da capacidade dessa relação se desenvolver, ganhar amplitude. 2- A existência de evidence/informação sobre essas características distintivas e de capacidade para as interpretar (sensibilidade). Somos capazes de captar esses sinais portadores de futuro, evidências de diferenciação, se quisermos usar a linguagem da Estratégia? 3 – A capacidade (e o desejo) de projetar e articular essa evidence/informação numa ideia de futuro possível, plausível e desejado (“projeto”). De definir e implementar uma intenção estratégica.

sexta-feira, julho 11, 2014

A Estratégia tem um problema com o futuro

A Estratégia tem um problema com o futuro: o raio da coisa teima em ser incerta, não se deixa prever com facilidade, surpreende-nos e coloca em causa os nossos planos, feitos com tanta atenção, coerentes, “acertados” e alinhados. Alinhados, regra geral, com uma evolução “business-as-usual” do contexto estratégico, assumindo não só que o dia de amanhã vai ser mais ou menos igual ao de ontem, mas também que o próximo ano será mais ou menos igual ao ano anterior, os próximos 5 anos mais ou menos iguais aos 5 anos anteriores, e assim sucessivamente. Ou seja, o planeamento intitula-se com frequência de “estratégico” mas fica retido no curto prazo, no cada vez mais curto espaço de tempo em que as condições estruturais do nosso negócio, do nosso mercado, do contexto socioeconómico em que nos inserimos, permanecem relativamente constantes. Então, o que fazer? Simplificando, temos pelos menos duas hipóteses: (1) Identificar e analisar os fluxos longos de mudança que mais afetam o nosso foco / a nossa questão de base, pensar a forma como se inter-relacionam e situarmo-nos face a eles. Sete exemplos clássicos desses fluxos longos conhecidos por Megatendências (ou Tendências Pesadas): Envelhecimento da População; Pressão Crescente sobre os Ecossistemas; Urbanização; Cultura Digital; Globalização Económica; Individualização; Convergência Tecnológica. (2) Mudar as regras tradicionais da Estratégia e, em vez de nos focarmos no “certo” (ou seja, no que achamos que continuará de uma determinada forma), focarmo-nos no incerto (ou seja, nas variáveis chave que, no médio/longo prazo poderão evoluir de formas muito diferentes). Sete exemplos destas potenciais Incertezas Cruciais, pensando em Portugal como foco: Evolução do Perfil de Especialização; Sustentabilidade Financeira da Economia; Capacitação Institucional; Valores Culturais e Capacidade de Gerar Capital Social; Evolução do Modelo de Coesão Social; Tipologia e Papel das Cidades; Evolução dos Sistemas de Ensino e Formação em Portugal.

sexta-feira, junho 13, 2014

Também o amor é tempo, assim

O tempo é uma coisa estranha (primeiro que tudo é simultaneamente objecto e instrumento de si próprio; sem tempo não é possível falar do tempo). Decidiu-se esta coisa do passado, do presente e do futuro. Sobre o passado costuma dizer-se que não devemos ficar agarrados a ele. Mas isso é obviamente impossível. Felizmente estamos “agarrados ao passado”. É do passado que retiramos as experiências, os ensaios de acção, os nossos ecossistemas (naturais, mas também sociais e culturais). É do passado que vimos. Somos passado, nesse sentido. Sem passado não somos. Mas não temos que nos preocupar: a morte libertar-nos-á das amarras do passado. E, olhando de longe o tempo, isso ocorrerá já amanhã. Sobre o futuro costuma dizer-se que “a Deus pertence”. E parece-me fazer sentido. Só Deus, possivelmente, pode lidar com a sua abertura, pluralidade e complexidade. Mas há um pequeno problema: as expectativas. Os nossos cérebros absolutamente pequenos (mas grandes em termos relativos) são autênticas máquinas de criação de expectativas. Desde as mais prosaicas e “automáticas” (por exemplo, a expectativa de que o carro da frente que faz pisca para a esquerda vire, de facto, para a esquerda), até às mais “estratégicas” (por exemplo, a expectativa de que um determinado investimento seja “rentável”). Nesta lógica, o amor é “só” a expectativa da eternidade; também o amor é tempo, assim.

sexta-feira, maio 16, 2014

Não há panda que se lhe compare

Há muito tempo que me apetece escrever sobre o carneiro Choné. Antes de mais para clarificar o sexo do animal: Choné é um carneiro, não uma ovelha. Parece-me ser de elementar justiça afirmá-lo sem rodeios (podemos discutir, no entanto, se se trata de um carneiro ou de um cordeiro). A letra da canção é andrógena e induz os nossos filhos em erro (“ele é ovelha, ele é Choné”). Depois, e à semelhança, imagino, de muitos pais e mães de crianças maravilhadas pelo ritmo e expressividade desta série de animação britânica, porque passo algumas horas da minha vida a assistir às aventuras do dito carneiro (ou cordeiro) e dos seus amigos. Uma das muitas vantagens de ter filhos pequenos é podermos apreciar este tipo de oferta sem os outros adultos pensarem que estamos a ser infantis (outras vantagens passam, por exemplo, por ter sempre uma boa justificação para recusar convites indesejados, voltar a brincar com legos, passear lentamente pela cidade e, claro, ter a experiência maior do amor por um filho, o processo de construção desse amor em relação e a permanente transformação e desafio que ele comporta). Mas voltemos ao que verdadeiramente interessa. O carneiro (ou cordeiro) Choné é o líder de um excêntrico rebanho de lanígeros que vive numa quinta com um ser humano (o fazendeiro), um cão (o Bitzer – acho que significa “rafeiro”, ou algo parecido) e uma vara de porcos mal-dispostos (assim de repente não me lembro de outras personagens). Nota-se na série a influência seminal de Wallace e Gromit (onde pela primeira vez o Choné apareceu) e o traço criativo e rigoroso da BBC. A animação e os argumentos são de uma enorme qualidade e clareza. A ausência de diálogos clarifica, nem se nota, e faz-me lembrar (não estou a exagerar) o silêncio indispensável para apreciar um concerto de música clássica. Não há, peço desculpa, panda que se lhe compare.

sexta-feira, abril 18, 2014

Os botões de punho

Há tanta coisa; a água; a linha e o resto; a coluna do renascido MEC; o Herman, não o José, o Kahn; o pensamento; a ideia de parar de ter ideias; o móvel de criado-mudo; os olhos azuis da Maria; os caracóis da Ana; o saudável Agualusa que tem um diário; a minha memória também necessita de um; uma casa onde se pode escrever; uma casa marcada pela leitura, não de livros, mas do que existe; o almoço e a conversa; o café na máquina que funciona cada vez melhor; o eu e o mim; o calor de Lisboa (e o Tejo ao início da noite?); a escala de Viseu; os bancos, não os de jardim; as cadeiras, não as da universidade; a religião; os arquitectos; as pessoas; os seus cérebros; as suas emoções; a ausência de um; a ausência do outro; a ausência dos dois; a presença de um; a presença do outro; a presença e interacção dos dois, cérebro e emoções; o km2 à nossa volta; as limitações do cérebro que nos dão corpo; as emoções que nos relembram que temos corpo; a criatividade que emerge; o círculo interrompido; e o acidente; a música; a grande música; e o ritmo; a doença; a roupa; e os sapatos; a comida (incluindo a japonesa e o peixe grelhado); e desligar; a televisão; o telemóvel; o computador; o rádio; a luz; o corpo; e ligar-nos; construir o “entre”; valorizar o encontro; falhar; voltar a falhar; e falhar melhor, como diz o meu amigo João; olhar para o mundo; o envelhecimento; o passado que alteramos cada vez que nele pensamos; o presente monopolista e inexistente; a liberdade ilimitada e a outra, a grande, íntima, limitada; o cansaço; a energia; o poder sobre os outros; o poder dos outros; o poder; o amor; os líderes que conheciam a verdade e sabiam; o “tudo é possível”; e a relação, a partir da colisão; a linguagem; o bluegrass; a ironia; e o riso; a gargalhada; o sorriso; o silêncio; os botões de punho.

sexta-feira, março 21, 2014

Acelerar e Desacelerar

Tenho duas filhas pequenas que me iluminam os dias. Crescem rápido e a sua capacidade de aprendizagem parece infinita. Ao vê-las, sinto, por vezes, que alguém acelerou a imagem, como naqueles pedaços de filmes em que é usado o efeito avanço rápido (fast forward), permitindo que o movimento invisível (de uma árvore ou de uma paisagem, frequentemente associado ao passar das estações do ano) se torne visível.Muitas vezes temos que desacelerar para ver, para reparar. Este exemplo mostra que, em algumas ocasiões, também temos que acelerar para ver. Nesta perspectiva, o tempo individual é, acima de tudo, ritmo, cuja cadência ganha significado pela alternância entre aceleração e desaceleração e pelo que reparamos em cada momento (“reparamos” no duplo sentido de “ver” e de “agir”). Trata-se de adequar o ritmo e a acção/decisão aos acontecimentos, conscientes do carácter fractal destas diferenças. Cada acontecimento-encontro tem um ritmo e um tempo próprios. Uma aceleração-precipitação desapropriada (fruto, por exemplo, da ansiedade, da necessidade de preencher um vazio percepcionado) e “o mal está feito”. Uma desaceleração-espera apática e a oportunidade esfuma-se. É por estas (e por outras) que a Gestão e a maneira como tomamos decisões são formas apaixonantes de “artesanato”.

sexta-feira, fevereiro 21, 2014

Há uma impossibilidade neste tempo

Os partidos políticos, mais ou menos articulados, apresentam-nos narrativas (histórias) para a sociedade, para a economia, mas também para o mais pequeno pormenor técnico-regulamentar. Estas narrativas são treinadas, "eficientes", repetidas, repetidas, repetidas. Com as repetições, repetições, repetições, as "impurezas" vão desaparecendo, tornando-as ainda "melhores". E todas apelam a uma escolha, a um posicionamento. E muitas pessoas informam-se, escolhem, posicionam-se. Mas, lá no fundo, sabem que estas escolhas são sempre "primárias", "orgânicas" (é o nosso corpo que decide antes?), ideológicas (seja). Podemos, eu sei, ter a nossa própria narrativa sobre a sociedade ou a economia. Podemos pensar nela (uma meta-consciência), torná-la mais resiliente, sabendo que é sempre frágil, perene, curta e indefinida. Sugiro três caminhos possíveis e articuláveis para a procura da nossa narrativa individual: (1) Procurá-la da mesma forma que uma imagem surge no seu negativo. Isto é, procurar a nossa narrativa explorando incessantemente o que dela não faz parte, conhecendo ao pormenor o que negamos. (2) Usar mediadores com quem, ao longo do tempo, criamos uma relação de confiança. (3) Usar o futuro para decidir no presente mas não para deixar de estar aqui, neste momento, sentado a escrever um texto, rodeado de notas sobre as muitas coisas que tenho para fazer. O potencial de existir (e de decidir) "estando" é muito grande. Este "estar" sintetiza, em tempo real, o passado longo e o futuro longo. Nesse gesto tudo se decide e, a seguir, desse gesto como decisão já não resta nada, "apenas" a sua interacção com o contexto e a nossa narrativa em construção. Esta interacção entre "gesto" e "narrativa em construção" é o ponto onde estou.