sexta-feira, setembro 27, 2002

União Europeia, uma intricada construção: um pouco de geopolítica e geoeconomia

Este artigo representa uma continuação da curta viagem que iniciei há duas semanas pela complexidade do processo de integração europeia. Hoje, tentarei abordar alguns fenómenos de cariz eminentemente geopolítico e geoeconómico, advertindo desde já que, no que toca à compreensão da realidade, acredito ser fundamental pensar o todo, o contexto que inevitavelmente influencia o caso concreto (é esta a lógica central da chamada “teoria da complexidade” consubstanciada no exemplo muito simples das duas rolhas que, abandonadas num mesmo rio, nunca se dirigem na mesma direcção – como referia, em entrevista, o Prof. João Caraça, não basta, assim, compreender a rolha, é necessário (tentar) conhecer o rio, os ventos, etc.). Neste contexto (e voltando à Europa), por exemplo, a força ou fraqueza do binómio Política Europeia de Segurança e Defesa (PESD)/Política Externa e de Segurança Comum (PESC), decisiva para a capacidade de afirmação internacional da União Europeia (UE), constitui-se como um dos factores que definirão os níveis de credibilidade associados ao euro e à respectiva relação com o dólar. De facto, convém não esquecer que a consolidação do papel internacional do euro como moeda concorrente do dólar ocorrerá fundamentalmente quando for adoptado, de maneira significativa, como reserva cambial pela China e outras economias emergentes e, num mundo onde o petróleo ainda é a principal fonte de energia, pelos principais produtores petrolíferos. Ora, parece quase intuitivo que esta renovação de carteiras acontecerá com muito maior probabilidade se a UE for um actor global relevante, ou seja, com uma “voz única” e com capacidade de intervenção não só em eventuais crises regionais (Chipre, Balcãs, etc.) mas também nas principais crises internacionais. Por outro lado, os níveis de credibilidade/estabilidade da União Económica e Monetária contribuirão para a definição da imagem internacional da UE, facilitando ou dificultando a possibilidade de solidificação da PESD/PESC.
De referir que os exemplos de possíveis crises regionais não são, de forma alguma, naives pois quer o futuro da questão de Chipre (e das tensões entre Grécia e Turquia) quer a questão dos Balcãs (“ninho” de tensões étnicas, históricas e políticas) constituem, na minha perspectiva, dois grandes testes à capacidade da UE se afirmar internacionalmente (antes de conseguir actuar globalmente a UE tem, de facto, de conseguir actuar e encontrar consensos e linhas de acção a nível regional).
Mas, aumentando a complexidade deste intricado de relações, a resolução da questão de Chipre (e, em termos mais amplos, o melhoramento da relação UE‑Turquia) parece ser, em si mesma, muito importante para a consolidação da estabilidade nos Balcãs numa óptica de manutenção de Estados multiétnicos e de estabilidade de fronteiras. De facto, estas soluções defendidas pela UE (e pelos EUA) para os Balcãs poderão sair reforçadas se o entendimento Grécia-Turquia em Chipre se cifrar numa solução confederal ou federal. A esta ilha do Mediterrâneo, dividida entre Ásia e Europa e vizinha da terra de origem da “nossa” princesa, voltarei, dado o seu simbolismo e importância estratégica, num próximo artigo.

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